#OEfeitoMarçal
O coach que revolucionou a política brasileira - para pior, é claro (mas ninguém ainda sabe disso).
“A política é um espetáculo para gente feia”, disse Roger Stone num documentário que estreou há alguns anos na Netflix.
Além da personalidade sinistra (com direito a uma tatuagem de Richard Nixon nas costas), Stone foi uma espécie de spin doctor do Partido Republicano e sabia manipular a conversação pública antes, durante e depois das eleições.
A frase desse operador político veio à mente do estagiário no dia seguinte do debate para a prefeitura de São Paulo. Estavam lá os candidatos perfilados: Ricardo Nunes, Guilherme Boulos, Tabata Amaral e José Luiz Datena. Essa lista por si só já estrelaria uma versão bananeira do Esquadrão Suicida. Ocorre que esses candidatos foram normalizados pela presença canhestra de Pablo Marçal.
Para quem viveu fora da internet nos últimos meses, Pablo Marçal é o empresário que viralizou nas mídias sociais com dicas para desenvolvimento pessoal, formação de riqueza e melhora de performance (seja lá o que isso quer dizer).
Seus vídeos se espalharam como uma praga e, do Instagram ao X (ex-Twitter), passando pelos portais de notícia, era possível ver Marçal se impor como um desbravador, colonizando a mente de seguidores e principalmente dos haters, que simplesmente não conseguiam tirar o nome dele na boca sempre com aquele jeito, tipo afetando indignação.
Não demorou muito e Marçal se tornou figura maior que as mídias sociais. Na tragédia do Rio Grande do Sul, comprou briga com os políticos e com a imprensa, destacando que seu trabalho era melhor do que aquele feito pelo poder público.
Pouco tempo depois, Pablo Marçal confirmou que sairia candidato a prefeito, para deleite dos jornalistas com nojinho, que logo se esmeraram em preparar a bala de prata para matar o vampiro. Na BandNews FM, por exemplo, a âncora Carla Bigatto não conseguiu esconder o desprezo por Marçal, algo semelhante ao que já havia ocorrido com Mara Luquet, no MyNews, que caiu em todas as cascas de banana jogadas pelo candidato.
O estagiário espera sinceramente que o leitor de NEIM não esteja aguardando um comentário acerca do debate da Band, emissora que adora dizer que é a pioneira nesse tipo de tertúlia entre candidatos aos cargos executivos. Ninguém se importa com debates desde 2016. Isso mesmo, antes da pandemia, houve um sujeito, um Laranja chamado Donald Trump, que implodiu essa ficção na TV. Em outras palavras, ninguém vai mudar de opinião porque assistiu a um debate – a não ser, claro, que você seja parte da imprensa global, que ficou cho-ca-da com a performance de Joe Biden no debate. Quer dizer, tivesse o presidente dos EUA alegado uma gripe, era capaz de ser até agora o candidato a reeleição contra Trump. Mas isso é passado e aqui não é espaço para esse tipo de divagação.
Debates como o de ontem na Band servem apenas para cortes nas mídias sociais. Assim, enquanto o prefeito Ricardo Nunes se preparou para falar de forma pausada, para que os paulistanos ouvissem sua voz pela primeira vez; Guilherme Boulos colocou um paletó e tirou o excesso da barba para se tornar mais palatável; Datena achou que estava no seu programa policial vespertino; e Tabata Amaral foi lá para dar aula de ciência política como especialista no assunto...
…Pablo Marçal apareceu com um boné com a letra M e saiu disparando injúrias gratuitas a quem quer que estivesse ao seu lado, pouco importando com a acurácia das informações ou, ainda, de manter a discussão elevada.
A política no Brasil já não é mais o território onde Mario Covas, Franco Montoro, Fernando Henrique, Luiza Erundina, Francisco Rossi e tantos outros expõem suas ideias; o novo normal agora é candidatos à moda Enéas Carneiro. Nesse terreno, Pablo Marçal é o pombo enxadrista dessa conversação, impossível, portanto, de ser batido.
Basta ver os cortes que já foram produzidos: em um deles, Marçal sugere que Boulos é usuário de drogas; em outro, chama Tabata Amaral de menininha que se parece com uma jornalistazinha (os diminutivos são prato cheio para os psicanalistas e para os linguistas, e o estagiário chega a ter pena dos pesquisadores em formação nos respectivos departamentos nas universidades brasileiras); sobre Nunes, diz que, se o paulistano quer que a cidade continue uma merda, então o atual prefeito deve ser reeleito.
Na imprensa brasileira, o debate foi visto de forma difusa. No “Estadão”, a análise tentou encontrar sentido no comportamento de Marçal:
Opinião
Debate indica campanha incivilizada; Nunes vira alvo e Marçal cai em armadilha de Tabata
Para quem precisava se tornar conhecida de boa parte do eleitorado e não sofreu ataques, como a candidata do PSB, funcionou melhor; Nunes se viu sem aliados e Boulos precisou responder apenas por questões já colocadas; Datena esteve apagado
O comentário a seguir mostra o grau de miopia de quem vê o debate eleitoral na televisão como uma reprodução exata dos livros-texto de filosofia política:
Pablo Marçal, como dito, queria fazer do embate um picadeiro para ganhar evidência nas redes sociais. As frases de efeito e o estilo kamikaze não trazem nada para o debate público, mas funcionam para quem queria chocar quem não o conhece e viralizar nas redes sociais. Saiu como o previsto, sendo sem qualquer dúvida o candidato mais citado nas redes. Mas ele acabou caindo em uma armadilha ao ver o tema de sua condenação por fraude bancária tornar-se o principal assunto relacionado ao seu nome. Ao prometer desistir da candidatura se a condenação existisse (e ela existe), levantou a bola primeiro para Tabata e depois para Boulos. Na fala dela sobre o tema, ficou visivelmente nervoso.
Nesse cenário, o debate serviu mais justamente a Tabata. Não pelo fato de que ela tenha se destacado em relação aos demais. Mas enquanto pouco apanhou e tentou mostrar postura mais ponderada, a candidata do PSB acabou aproveitando sobretudo os embates com Marçal em relação à condenação do ex-coach, e com o prefeito sobre o boletim de ocorrência de agressão à mulher, para tornar-se conhecida de parte do eleitorado. Se a essa hora não são tantos os que ficam acordados para ver o debate, os recortes nas redes e a repercussão no dia seguinte devem ajudá-la nesses dois pontos.
Esse é o tipo de comentário que esquenta o coração dos estagiários da candidata responsáveis pelo clipping na campanha eleitoral. Aqui vale uma explicação: assim como na Fórmula 1, onde existe a competição entre os pilotos e a disputa das equipes, também nas campanhas eleitorais os times de cada candidato querem aparecer e dizer quem fez a melhor campanha, ainda que os seus clientes sejam derrotados na eleição. O que importa é a percepção de que fizeram um bom trabalho.
Enquanto isso, na Folha, Bruno Boghossian foi mais a fundo na tentativa de ler a atuação de Marçal:
O objetivo de Marçal é claro: deslocar Nunes do segundo turno e conquistar o apoio de um eleitor conservador para se consolidar como candidato único para enfrentar a esquerda, projetando um embate direto com Boulos.
Nunes ainda não mostrou se pretende fazer um apelo mais enfático para assegurar seu espaço nesse eleitorado. Sua aliança com Bolsonaro, aliás, só surgiu como carta quase no fim do debate. Uma parceria com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pareceu orgulhar o prefeito tanto quanto o apoio do ex-presidente.
Mas Marçal se destacou principalmente pelo esperado papel de franco-atirador, distribuindo ofensas a todos os adversários desde o primeiro bloco do debate, em busca da lacração que rende cortes feitos sob medida para as redes sociais.
O comportamento do coach dificilmente pode ser chamado de estratégico no sentido político, mas já se mostrou relativamente bem-sucedido como maneira de aproximá-lo do primeiro pelotão da disputa.
Esse movimento torna Marçal um personagem competitivo na mesma medida em que ele for capaz de transformar eventos-chave da eleição em episódios tumultuados.
Grosso modo, o ponto em comum das interpretações dos principais diários paulistas é não perceber como Marçal está operando para afastar da corrida pela prefeitura da cidade qualquer resquício de racionalidade. Sua candidatura tem efeito deletério. Como agente do caos, Marçal quer levar o debate para o mundo invertido: sem regras, disparando impropérios contra os adversários, antagonizando a imprensa e conquistando espaço porque não vai sair dos trends e da imaginação dos eleitores.
Se continuar assim, o processo de colonização estará completo – e, mesmo sem ganhar a eleição, Pablo Marçal terá transformado todos os políticos em gente mais deformada do que já são.
Resumo : Pablo Marçal parece o Rambo com metralhadora, atira pra todo o lado; Tabata parece virgem em Bordel- conquista simpatia mas não apoio; Boulos parece personagem de “ Esperando Godot “, aguardando que painho o tire da enrascada que se meteu; Datena como linha auxiliar do Boulos parece carroceiro, catando lixo e sucata pela cidade; Nunes parece debutante que errou o endereço da festa e entrou na zona. Estamos mesmo bem “ arruinados “ de candidatos .
Serve como entretenimento e garantia de memes....já a discussão sobre a administração da maior cidade da américa latina é apenas um detalhe !!!