Há quase três décadas frequento o mesmo médico. O doutor Eusébio Rabaça conhece os humores dos meus rins e os meus próprios, de modo que sabe ser perda de tempo pedir a um velho que desista de seus charutos e de suas doses de café.
Na semana que antecede minha consulta anual, invariavelmente anseio a que ele me poupe dos exames invasivos e a que me tranquilize, atestando a adequação entre minha idade e o ritmo de minha degradação física.
Em minha última consulta, contudo, o doutor Rabaça notou que meu coração estava maior do que deveria (cardiomiopatia hipertrófica, em mediquês). O aumento do coração pode conduzir à insuficiência cardíaca e a insuficiência cardíaca certamente conduz às exéquias.
A instabilidade da saúde de um velho não é algo que mereça a atenção dos gentis leitores deste site, mas a consulta foi reveladora de um outro sintoma tão atual quanto preocupante.
Ao analisar a imagem da ultrassonografia e buscando compreender a causa da potencial cardiomegalia que me havia anunciado, o doutor Rabaça disse algo mais ou menos assim:
— Senhor Telles, o senhor sabe que eu não sou um eleitor de esquerda, e também não duvido da eficácia das vacinas.
Talvez diante de minha provável expressão de pasmo – confesso que, naquele momento, interessavam-me mais as condições do meu coração do que as opiniões do esculápio acerca do papel do Estado –, o doutor Rabaça, em tom de segredo, quase como se estivesse em um confessionário, acabou por me dizer que há estudos relacionando o aumento do coração entre os possíveis efeitos colaterais da vacina contra covid-19.