“O futebol é um ramo da arte. Eu chamaria de arte popular.”
João Saldanha
“A bandeira no estádio é um estandarte/A flâmula pendurada na parede do quarto/ O distintivo na camisa do uniforme/Que coisa linda é uma partida de futebol/ A chuteira veste o pé descalço/O tapete da realeza é verde/ Olhando para bola eu vejo o sol/Está rolando agora, é uma partida de futebol”
Skank
Qualquer um que já tenha ido a um estádio de futebol assistir a uma partida foi arrebatado em alguma instância pelo sublime. Ainda mais se a partida foi daquelas decisivas, com arquibancadas lotadas pela multidão de torcedores vidrados, apaixonados, tensos, tomados por algo semelhante a uma euforia mística e coletiva. Tal fenômeno ritualístico é um enigma para muitos, particularmente para aquela classe social que se quer sábia, culta e elevada, que vê nas multidões uma ameaça à razoabilidade, ao educado e refinado, em última instância, ao indivíduo em pleno domínio de seu ser.
Em terras brasileiras, autores como Nelson Rodrigues, não apenas declaradamente apaixonados por futebol, também escreveram sobre partidas, jogadores, sobre nossa identidade futebolística. Albert Camus confessou mais de uma vez sua paixão pelo esporte, mas será com Torcidas – O estádio como ritual de intensidade, de Hans Ulrich Gumbrecht, professor de teoria literária da Universidade de Stanford e torcedor fanático do Borussia Dortmund, que teremos um ensaio filosófico de rigor e perspectiva única sobre o fenômeno que reúne milhões de pessoas ao redor do mundo em torno de partidas de clubes, ligas e campeonatos dos mais ricos aos mais humildes.
Ainda que o próprio autor considere que jogos em estádio não são nem devem ser “alegorias para investigações ou problemas filosóficos” e que a reflexão filosófica seria mesmo prejudicial para se entender a intensidade da experiência de estádio, Gumbrecht entende que um evento esportivo envolvendo times e torcidas está envolto em um “sentimento de relevância incondicional, em que a dignidade da verdadeira questão filosófica se adensa”, a saber, a questão de por que existe algo em vez de nada. Tais questões se impõem ao autor particularmente quando ele teve a experiência quase onírica de passar uma noite sozinho nas arquibancadas do mítico estádio do Boca Juniors, La Bombonera.