El Salvador virou o exemplo que a direita quer seguir. E, obviamente, o exemplo que a esquerda se acha na obrigação de combater.
Todo mundo diz que é preciso acabar com a polarização. Mas o que seria da política brasileira sem o populismo hipócrita de quem anuncia catástrofes para vender soluções fáceis na campanha eleitoral?
A direita está prometendo fazer aqui o que Bukele fez lá. E a esquerda se esgoela para denunciar violação de direitos humanos. Ninguém sabe direito do que está falando. Basta marcar posição e se insultar nas redes sociais.
Mas alguma coisa está acontecendo em El Salvador. O país já foi o mais violento da América Latina. Nos últimos 4 anos, com uma política de guerra contra o crime organizado, o governo conseguiu diminuir a taxa de homicídios para índices quase inacreditáveis.
A economia também vai bem. Embora direitista, Bukele conseguiu fechar acordos mirabolantes com a China. No final de 2023, ao lado de Xi Jinping, anunciou uma “gigantesca cooperação não reembolsável” de 500 milhões de dólares – que pode garantir uma reestruturação revolucionária para o país que, anteontem, era um dos mais pobres da América Latina.
Todo mundo sabe que não existe almoço grátis. Um acordo de “cooperação não reembolsável” com a China soa mais ou menos como aquelas ligações de telemarketing no meio da tarde, nos oferecendo propostas irrecusáveis que sempre acabam no Procon.
Ninguém está preocupado com isso. Bukele se tornou um ídolo, arrasta multidões e será reeleito hoje com mais de 90% dos votos, segundo as pesquisas.
Mas a Folha, epicentro da cultura diletante, fez questão de marcar território no dia da indubitável reeleição de Nayib Bukele. Encontrou, de última hora, um especialista que aposta que vai dar tudo errado para os salvadorenhos. Trata-se do doutor José Miguel Cruz, do extensivo Centro Latino-Americano e Caribenho da Universidade Internacional da Flórida. Ele disse todas aquelas coisas que estamos acostumados a ouvir dos especialistas. E ainda garante que a solução encontrada pelo governo Bukele é paliativa, porque
“o encarceramento pode fortalecer o crime organizado, como ocorreu no Brasil. E vai ocorrer em El Salvador. Porque os detentos um dia vão sair da cadeia e…”.
Isto é tudo. Doutor José fez uma afirmação categórica, sem dar nenhuma explicação mais detalhada. Exatamente como o jornalista tinha imaginado para ilustrar sua matéria. Agora o caminho está aberto para ligar Bukele à Bolsonaro e esculhambar a extrema direita. É o que os leitores esperam para tomar uma posição sobre o futuro de um país que ninguém sabe direito onde fica.
Porque ninguém se importa com El Salvador.
Nem a nossa Inteligência Artificial, que acha que é só mais uma marca de sabonete de glicerina.
O interessante na reportagem da folha é que ela ouviu uns cinco representantes de ongs do human rights, mas não ouviu nenhum morador de El Salvador, para minimamente, trazer um debate com diferentes visões sobre o assunto. Trabalhei um tempo por lá e, as quadrilhas (marras) infernizam a vida dos bairros mais pobres (os ricos contratam seguranças armadas pesadas para se proteger). Muitos bairros pobres tinham mais de 80% das casas abandonadas (maioria imigrando para os USA), de modo a fugir da violência. Pelo resultado das eleições, parece que a segurança é uma prioridade da população. Pode ter problemas na forma como é conduzido o processo pelo atual grupo dirigente? Pode. Mas também podemos ter um debate mais civilizado ouvindo as partes para combater esse que é o maior desafio a ser enfrentado nas nossas pobres cidades.
El Salvador era, quanto à criminalidade, o que o Brasil será, se permanecer aqui essa caminhada em defesa da democracia e das "instituições-que-estão-funcionando". Esta denominação eu "expropriei" do Mário Sabino.