#OQueFaltaÀLiteraturaBrasileira?
Apesar dos problemas — a falta de leitores sendo o principal deles —, a criação literária brasileira ainda respira, mas está acamada
Por Fernando Lima Cunha
EMBORA SEPARADOS POR UMA GERAÇÃO e distanciados por freguesias ideológicas opostas, o escritor José Lins do Rego e o crítico literário Antonio Candido concordam num ponto: falta à literatura brasileira o que falta ao próprio Brasil, isto é, maturidade como povo, como nação; falta-nos uma civilização plenamente desenvolvida no país e, por conseguinte, na literatura nacional.
Em artigo para o jornal Folha da Manhã, em 1944, Antonio Candido opina:
“Nos romances que se publicam todo o dia entre nós, podemos dizer, sem medo, que não encontramos a verdadeira exploração vocabular, a verdadeira aventura da expressão. Por maiores que sejam, os nossos romancistas se contentam com posições já adquiridas, pensando naturalmente que o impulso generoso que os anima supre a rudeza do material. Raramente nos é dado encontrar um escritor que [...] procure estender o domínio do vocábulo sobre regiões mais complexas e mais inexprimíveis, ou fazer da ficção uma forma de conhecimento do mundo e das idéias.”¹
Por sua vez, José Lins do Rego explica nossa literatura com toda a peculiaridade que lhe cabe, numa carta de 1957:
“[O escritor francês André] Gide fala para literaturas de maturidade, e nós no Brasil [...] andamos em perigosa adolescência. O que é remédio para quem já deu um Montaigne não será dieta para quem carece de terra, de sol, de substâncias outras que organismos saturados repelem. Estamos nós brasileiros em tempo de muito precisar de viver, à grande.”²
E complementa:
“[...] nós no Brasil ainda estamos em plena selva. Ainda há muito trabalho para bandeirantes, para desbravadores, para gente dura e rude.”
Enquanto os grandes dão diagnósticos, cá de nossa choupana reclamamos do Brasil e da brasilidade em geral; eis um de nossos esportes preferidos, que de tão praticado já nos acostumamos a ele tanto quanto o Maracanã acostumou-se a vaiar. Mas, se pararmos para pensar no que dizem Antonio Candido e José Lins, será difícil discordar de ambas as opiniões a respeito do tema “o que falta à literatura brasileira”.
Qual é o teor da reclamação, exatamente? Que falta é essa de que sofre a nossa literatura? Trata-se de certa queixa recorrente de que não temos a grande tragédia brasileira, o grande romance, o grande épico. Não são poucos os que apontam a terrível lacuna da qual é tão fácil reclamar quanto é difícil cravar com exatidão. Consideradas todas as coisas, não chegaremos a conclusões muito diferentes de Lins e Candido, mas podemos ir um pouco além, ainda concordando com eles.