[Leia a sétima parte do ensaio]
Por Vicente Renner
O Rei e A Bomba
Permitam-me recapitular de forma explícita o argumento que eu desenvolvi até aqui.
Na primeira parte do ensaio, argumentei que A Bomba é uma graphic novel internacional. Descrevi esse formato como uma tentativa dos quadrinhos de se legitimar como arte. Destaquei dois recursos utilizados para esse fim: a associação a formas de arte já estabelecidas, como a literatura; e a apropriação de elementos oriundos de arte anti-comercial.
Para mostrar que A Bomba é uma graphic novel internacional, comentei, na segunda parte do ensaio, que ele recorre a elementos de reportagem. Argumentei que o jornalismo em quadrinhos é um gênero bem estabelecido dentro do formato, e que existe uma tradição literária que retrata o uso e o desenvolvimento da bomba atômica dessa mesma forma.
Argumentei ainda que A Bomba também denuncia as injustiças das condições que levaram à produção da bomba atômica, o que é, novamente, algo presente na bibliografia literária sobre o assunto.
Finalmente, disse que A Bomba também mostra a explosão nuclear como a revelação de um outro plano da realidade. Esse outro plano da realidade é caracterizado pelo simbolismo e pela forma pela qual é graficamente representado. Argumentei que a hq faz isso valendo-se do mesmo estilo que foi utilizado por diversos poetas japoneses que sobreviveram à explosão, o surrealismo.
Essas diferentes facetas da bomba, no entanto, se relacionam umas com as outras de uma forma inesperada.
Como reportagem e como denúncia social, A Bomba se torna por momentos uma hq burocrática e excessivamente literal. Muitas dessas páginas são de cabeças: personagens se explicam mutuamente detalhes técnicos ou circunstâncias históricas, de forma expositiva e direta. Como arte surrealista, no entanto, A Bomba é imaginativa, ambiciosa e até mesmo assombrosa.