4321 – o gigantesco e mais ambicioso romance de Paul Auster, falecido ontem, aos 77 anos de idade, devido a um câncer no pulmão – é a resposta a uma crítica implacável feita contra ele pelo príncipe dos resenhistas, o inglês James Wood. Em um texto publicado na revista The New Yorker, Wood discorreu sobre Invisível, então a fábula mais recente de Auster, publicada em 2010. Nele, afirmou que era o livro de um autor que não sabia escrever uma linha correta em inglês, e, ao se acostumar com as fórmulas possíveis para encantar o leitor, esqueceu-se de fazer uma literatura ousada.
A princípio, Auster não se mostrou atingido pela diatribe. Em uma carta endereçada ao amigo de letras J.M.Coetzee, publicada no volume Here and Now (2013), o americano agradece ao sul-africano pelas palavras de conforto logo após este último ter afirmado que Wood foi um canalha, mas em seguida afirma ao colega para não se preocupar pois “o que eu posso fazer com alguém que, como diz o nome, já tem o seu fim garantido pelos cupins?” (Em inglês, Wood significa madeira ou carvalho).
O chiste é bom, mas a verdadeira réplica seria muito melhor. 4321 é um tijolo de 866 páginas que, além de ser um tapa na cara na acidez de Wood, é também uma espécie de síntese das obsessões literárias de Auster. Estão ali todos os ingredientes da obra do “bardo do Brooklyn”: a reflexão sobre a amizade e a escrita que fez de Leviatã (1992) um evento para pessoas já iniciadas na grande literatura; a obsessão pelas coincidências da vida, disfarçadas de acaso ou de destino, que marcou os primeiros livros que lhe deram fama, como A Trilogia de Nova York (1987) e Palácio da Lua (1989); o questionamento a respeito da identidade em um mundo onde o ser humano é fraturado ao extremo – o eixo de O Livro das Ilusões (2002); a delicadeza da sua obra poética, escrita no início da carreira literária; e a reflexão sobre a própria biografia, repleta de incidentes pitorescos, algo que emocionou quem leu A Invenção da Solidão (1982).