Como poderei em consciência perseguir a mentira com a mentira? Será que deve o latrocínio ser perseguido com o latrocínio, o sacrilégio com o sacrilégio, o adultério com adultério? Será que também nós [além dos priscilianistas hereges] haveremos de dizer: Façamos o mal para que o bem venha?
“Contra a mentira”, Agostinho de Hipona
A expectativa de que a realidade obedeça aos nossos conceitos e teorias demonstra o quanto podemos ser espantosamente estúpidos.
E o que torna tudo ainda pior é que, provavelmente, a única chance que temos de sermos menos idiotas é quando nutrimos alguma consciência de que podemos ser espantosamente estúpidos. Nada fácil.
Em 1937, o escritor Robert Musil proferiu uma conferência sobre a estupidez em Viena. Ele alertava justamente para o fato de que, geralmente, quem se propõe a falar sobre estupidez deveria partir da hipótese que ele próprio não é estúpido. Entretanto, ao se autoproclamar inteligente, emitiria o mais clássico sinal de estupidez.
A mentira passa por um filtro semelhante. Frequentemente, as pessoas falam em combater a mentira, como se elas próprias nunca mentissem.
Nesse ambiente, em que somos livres somente para falar “verdades”, a “sensatez” só pode ser o dogmatismo. O dogmático consegue fazer convergir de forma perfeita duas certezas: a de que ele próprio não é estúpido e a de que suas verdades não comportam nenhum tipo de falsidade.
Por exemplo, as recentes tentativas de definir se Nicolás Maduro é de esquerda ou de direita, como se isso fosse uma forma de medir quanta democracia ele é capaz de produzir, só mede, de fato, o grau de desespero dos dogmáticos.