[Leia aqui a segunda parte do ensaio]
1.
O ano era 2011, e eu ainda tinha disposição para frequentar a Festa Literária de Paraty. Os convidados daquela edição eram muito estrelados, dentre os quais vale a pena citar Claude Lanzmann, que, para dizer o mínimo, se indispôs com o curador daquela edição, Manuel da Costa Pinto (que, por sua vez, inaugurou o epíteto nazista para qualquer oponente que o irritasse, muito antes do PT fizer isso na época do governo Jair Bolsonaro; o detalhe é que ele fez isso com o judeu Lanzmann, o diretor de Shoah, o maior documentário já feito sobre o Holocausto); James Ellroy, o escritor que revelou, na entrevista coletiva, que só se interessava pelo universo sobre o qual escrevia; e o francês Emmanuel Carrère, autor, entre outros, dos livros O Adversário e Outras Vidas que Não a Minha.
Embora hoje seja um dos meus autores favoritos, em 2011 eu ainda não conhecia Carrère, o que só foi acontecer em 2016. Há um elemento pessoal neste episódio que não posso deixar escapar: na ocasião em que comecei O reino, meu pai estava hospitalizado. Quando algo grave assim acontece, costumo ficar paralisado e sem imaginação ou foco para leitura. Ocorre que o texto de Carrère era tão poderoso, que a leitura me absorveu a ponto de me manter equilibrado naquele momento de tensão. Felizmente, meu pai foi para casa, e eu não abandonei mais o escritor francês. Mais ou menos nessa época, um dos editores do NEIM me avisou que havia um saldão de livros na estação de Metrô-Terminal de Ônibus Tietê. Lá, O Adversário, livro publicado pela Record e que estava fora de catálogo, estava a 10 reais. Fui lá e comprei o meu sem pestanejar.