[Leia aqui a terceira parte do ensaio]
1.
Na primeira década dos anos 2000, os livros que versavam sobre escrita literária e de não-ficção eram raros no Brasil. Para falar a verdade, me lembro do famoso Comunicação em Prosa Moderna, de Othon M. Garcia, que ensinava a fazer resumos, resenhas e dava algumas preciosas dicas para escrita de dissertações e teses acadêmicas. Fora disso, sobravam os manuais de redação (são como biscoitos de água e sal para quem tem fome); as gramáticas, como a de Faraco & Moura; e nada mais.
O aprendiz de escritor era, acima de tudo, um órfão à busca de um guia para a Spooky Art, a arte assombrada.
The Spooky Art, de Norman Mailer, foi o primeiro livro de escrita que peguei em mãos. Comprei em um sebo fora do Brasil por uma quantia irrisória, e me lembro que a obra serviu de alento mais do que eu poderia imaginar.
Consegui encontrar, na internet, uma das passagens mais marcantes do livro:
Gosto de trabalhar. Eu me lembro de Elia Kazan um dia no Actor’s Studio dizendo: “Aqui no Studio estamos sempre falando sobre o trabalho. Falamos sobre isso tão piedosamente: ‘O trabalho, o trabalho’. Bem, nós trabalhamos aqui e vamos deixar claro: o trabalho é uma bênção.” Ele disse isso, olhando para cada um de nós. E eu pensei: Ele está tão certo, é isso mesmo. O trabalho é uma bênção. Sim. Se eu disser a mim mesmo que irei para minha mesa amanhã, considero uma questão de honra ir trabalhar pela manhã. Seja qual for o meu humor. Porque descobri que você pode passar do mau humor para o bom humor se se forçar a sentar à mesa e escrever.
Quando, em 2005, li o livro de Mailer não poderia imaginar que eu mesmo me encontraria numa situação em que teria de escrever uma biografia que exigiria tanto de mim do ponto de vista do longo prazo – justamente por defender a ética do trabalho acima de tudo.
Quando chegou a hora de escrever, o texto de Capanema me consumia a tal ponto, que, depois de tanta pesquisa, eu ficava paralisado, só pensando em que deveria escrever acima de tudo.