Em uma das mais interessantes passagens de Fausto, Goethe coloca o protagonista em uma conversa com Margarete, também chamada carinhosamente pelo diminutivo “Gretchen”, no Jardim de Marthen. Gretchen é uma jovem de aproximadamente 14 anos que é cortejada por Fausto. Depois de trocarem beijos, Gretchen faz uma questão ao erudito que, de tão central, vai fazer seu nome batizar a expressão alemã que denota uma pergunta central, que pretende investigar o cerne da questão e que, normalmente, coloca a pessoa questionada em uma posição da qual não pode facilmente se esquivar. Na cena em questão Gretchen pergunta a Fausto: “Nun sag’, wie hast du’s mit der Religion?” (Agora diga, como você se porta em relação à religião?). Fausto, que já havia feito o pacto com Mefistóteles, responde evasivamente porque, ao fim e ao cabo, não pode realmente enfrentar a questão de Gretchen, a Gretchenfrage.
Estou convicto de que lucraríamos imenso se levássemos a sério, enquanto país, uma série de Gretschenfragen, sendo que colocaria entre as mais prioritárias a questão: quem pensa o Brasil? Certamente engasgaríamos, engoliríamos a seco e evitaríamos a resposta. Mas o fato é que o Brasil é falado, discutido, criticado, tem sua política institucional dissecada de maneira nauseante centenas de vezes por dia, por incontáveis veículos de imprensa e grupos de WhatsApp, na TV, nas rádios, nos portais, na mídia impressa, mas quem diria que nos atrevemos a, realmente, refletir sobre ele? Ele tem um fim a perseguir? O que esperamos que ele seja? E por quê? Quais os meios de alcançar o país que queremos?
Nelson Rodrigues, um desses poucos que fez o dever de casa, dizia que o Brasil não é um país, mas uma paisagem. Para além do sentido mais óbvio, é correto dizer que o Brasil é para nós um pano de fundo sobre o qual se desenrola a nossa vida, surgem os nossos problemas e no qual vencem os nossos boletos, mas que, como objeto de investigação, ele é transparente. Quem hoje propõe a sério, na esfera publica, a questão sobre os valores que queremos instanciar como nação? Quem aponta para a questão sobre nosso futuro, que pouco ou nada tem a ver, na verdade, com 2026, 2028 ou qualquer efeméride político-partidária?
Não me entendam mal; não é por falta de quórum. Não é que não tenhamos as cabeças necessárias para isso. Nós as temos e elas estão aí, em nosso meio. Parece-me que o problema é mais da ordem da falta de interesse – ou de público – do que de capacidade. Mas não ousamos a nos dedicar a tais questões porque estamos envoltos por um pacto que, ao contrário daquele de Fausto, não é pela vida plena, pelo sentido absoluto. É um acordo tácito pelo abandono à inércia que, não obstante, também tem nos custado a alma.
As pessoas que pensam o país e leem Goethe não podem mudar nada, já as pessoas que podem mudar algo não conseguem ler nem a Turma da Monica.
Belo texto. Obrigado