Por Lucas Petry Bender
“Quando os personagens são vivos, realmente vivos, diante de seu
autor, este não faz outra coisa senão segui-los, nas palavras, nos gestos que,
precisamente, eles lhe propõem. E é preciso que ele os queira como eles
querem ser.”Seis personagens à procura de um autor, Luigi Pirandello [1]
É impossível calar a voz da consciência; na melhor das hipóteses, pode-se dialogar com ela – e que melhor maneira de fazer isso senão através da leitura e da escrita? Em Ioga (“Yoga”, trad. Mariana Delfini, ed. Alfaguara, 2023), Emmanuel Carrère parte do propósito de escrever um breve manual da prática da meditação e da ioga, para terminar envolvido na rede de narrativas que são tecidas à medida em que escreve, passando, no trajeto, por uma profunda crise depressiva.
Fragmentado em inúmeros e breves subcapítulos que dinamizam a leitura, o livro estrutura-se sobre três grandes relatos pessoais: um retiro prolongado no interior da França para uma imersão na meditação e na ioga (as quais o autor pratica há décadas); uma crise depressiva tão severa a ponto de levá-lo à internação por meses num hospital psiquiátrico, com direito a tratamento por eletrochoques; e uma viagem à Grécia em busca da plena recuperação do gosto pela vida. Nos interstícios, breves mas potentes passagens sobre os atentados terroristas de Paris em 2015, o poder da música e da poesia, a crise dos refugiados na Europa, a busca pela verdade no relato pessoal e no registro dos fatos. Permeando tudo isso, no coração mesmo de um livro urdido ao modo já conhecido de Carrère, encontra-se a ficção.