#RegeneraçãoBrasileira
Muito já se falou sobre a importância de José Bonifácio de Andrada na formação do Brasil, mas suas ideias sobre liberdade ainda não foram bem compreendidas
Machado de Assis dizia que temos um país real, que é bom e revela os melhores instintos. Mas o oficial, é caricato, burlesco, corrupto. O país real é o que vemos sempre que ocorre uma tragédia e o povo se organiza para ajudar quem está em situação de calamidade, como na enchente do Rio Grande do Sul. O burlesco é o da oficialidade dos discursos hipócritas das autoridades ou dos fiscais da ANTT multando os caminhoneiros que levavam ajuda humanitária que parecia pesada demais para as balanças das rodovias.
Antes de Machado, José Bonifácio de Andrada já percebia a existência desse país real que é bom e revela os melhores instintos. Para ele, o Brasil tinha tudo o que era necessário para se tornar uma nação livre e muito próspera, porque
“os brasileiros são entusiastas do belo ideal, amigos da sua liberdade e mal sofrem perder as regalias que uma vez adquiriram. Obedientes ao justo, inimigos do arbitrário, suportam o roubo melhor que o vilipêndio; ignorantes por falta de instrução, mas cheios de talento por natureza, de imaginação brilhante, e por isso amigos de novidades que prometem perfeição e enobrecimento; generosos, mas com bazófia; capazes de grandes ações, contanto que não exijam atenção aturada e não requeiram trabalho assíduo e monotônico; apaixonados do sexo por clima, vida e educação. Empreendem muito, acabam pouco. Serão os atenienses da América, se não forem corrompidos e tiranizados pelo despotismo”.
Bonifácio sabia muito bem que o Brasil-Colônia era composto de gente primitiva, com pouca instrução – e neste ponto parece não ter mudado muito –, mas, além das riquezas naturais e uma geografia privilegiada, ele via no comportamento do povo o fundamento para a liberdade. Não era algo abstrato como propunham os iluministas da sua época. Para ele, ser brasileiro é “não conhecer diferenças nem distinções humanas”. Bonifácio já percebia uma das características mais marcantes do nosso povo, que é acolher a todos que escolheram viver aqui, independente de raça, cor ou religião. Dizia que, no Brasil, eram tratados como brasileiros de verdade “o chinês e o luso, o egípcio e o haitiano, o adorador do sol e o seguidor de Maomé”.
Essa perspectiva do pensamento de José Bonifácio é assinalada por Jorge Caldeira, no livro, infelizmente fora de catálogo, “Nem céu nem inferno, ensaios para uma visão renovada da História do Brasil”. Muito já se falou sobre os irmãos Andrada e o quanto foram importantes para a formação do Brasil como nação. Mas ainda restam algumas sutilezas, sobretudo ao que José Bonifácio entendia por liberdade.
Ele foi um dos primeiros abolicionistas da América. Estava convicto de que era preciso abolir a escravidão para que houvesse uma “regeneração política do Brasil”. Por isso apresentou, em 1825, sua representação à Assembleia Geral Constituinte, escrita dois anos antes, onde diz que a
“necessidade de abolir o comércio de escravos e de emancipar gradualmente os atuais cativos é tão imperiosa que julgamos não haver coração brasileiro tão perverso, ou tão ignorante, que a negue ou desconheça. Isto suposto, qualquer que seja a sorte futura do Brasil, ele não pode progredir e civilizar-se sem cortar pela raiz, o quanto antes, este cancro mortal, que lhe rói e consome as últimas potências da vida, e que acabará por lhe dar morte desastrosa”.
Ainda que na época em que Bonifácio pensava em construir uma nação brasileira o povo fosse primitivo e sem instrução, ele “acreditava – nos diz Jorge Caldeira – que o comportamento e a tolerância dos brasileiros iriam permitir o surgimento de um novo aspecto transformador que nos levaria adiante – algo que, naturalmente, não obteve consenso, nem na época nem hoje (...) A força dessa crença estava em colocar a fonte da liberdade na sociedade, não no estadista (...) ele viu o fundamento dessa liberdade nos hábitos dos analfabetos e dos curibocas, não na formação das elites”.
José Bonifácio de Andrada tinha certeza de que o fundamento da liberdade, que caracterizava o povo brasileiro, não era o conhecimento racional, que sequer encontrava eco por aqui, mas o comportamento, a vida prática dos brasileiros, que se expressa nos casamentos mistos entre pessoas de raças, culturas e até religiões diferentes.
Na sua “Representação sobre a escravatura”, escrita em 1823, Bonifácio salientou que era imprescindível acabar com a escravidão para que pudéssemos formar uma nação homogênea.
“É da maior necessidade ir acabando com tanta heterogeneidade física e civil. Cuidemos, pois, desde já, em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo homogêneo e compacto, que não se esfarele ao toque de qualquer convulsão política”.
Precisamos relembrar sempre que a tragédia no Rio Grande do Sul nos fez reanimar o espírito comunitário que, depois de tantas esperanças perdidas, já parecia ter desaparecido no Brasil. Todos nós tivemos a prova definitiva de que os políticos são incompententes e as instituições do Estado ineficientes. Restou apenas a ajuda mútua de pessoas anônimas que foram se organizando de forma aleatória e independente.
Foi uma evidência concreta de que José Bonifácio estava correto na sua percepção do comportamento do povo brasileiro.
O país real é bom e sempre revela os melhores instintos. Enquanto o oficial e elitista é extremamente caricato, burlesco e corrupto.
Diogo Dois, excelente pensata! É raro ver aqui no NEIM algo otimista em relação ao povo brasileiro, mas também pudera, se olharmos bem para os últimos 50 anos, teríamos que cortar os pulsos. Se tivemos gente da qualidade de um José Bonifácio, hoje temos o Zé Cueca, uma ratazana do PT que é a síntese de tudo de ruim que a classe política nos legou e continuará oferecendo per omnia secula seculorum
Excelente texto!!