É importante ter em mente que Fuga de Nova York é filme pouco convencional. De um lado, é um filme de gênero (como falei, é um amálgama de diversos deles), principalmente um filme de ação com toques de western e ficção-científica; na prática, no entanto, é um filme que tem pouca ação, além de ser um filme lento, com ritmo bastante deliberado. Isso vai na contramão de sua própria trama, que é justamente uma corrida contra o tempo: se Snake não cumprir sua missão no prazo delimitado, não só ele morre, como também, potencialmente, o mundo acaba numa guerra nuclear. E, no entanto, Snake, num determinado momento, puxa uma cadeira e descansa. Mas talvez a principal questão seja: qual é exatamente o arco dramático do filme? Faço essa pergunta porque Snake, ao contrário de qualquer herói numa narrativa clássica, não aprende nada. Mais: ele basicamente reforça seu cinismo e desprezo que tem pela política em geral. Mas eu não acho que o objetivo do filme seja exatamente este, se é que haja algum outro objetivo em si (que não simplesmente o de entreter o público).
Por um lado, o filme parece ser, como disse, semelhante a Blade Runner no sentido em que Carpenter parece muito mais interessado em apresentar este universo ficcional, e nos inserir nele. É o aspecto mood piece do longa. E é nesse ponto que podemos de fato considerar que Fuga de Nova York possui um arco de fato: o que importa, aqui, não é Snake Plissken ou sua trajetória, mas sim o mundo em si - tendo Snake como ponto de vista para se compreender este mundo. Carpenter parte do pressuposto que a jornada de Snake é importante não só para defender os Estados Unidos (por mais corrupto e tirânico que seja) mas, também, para o espectador de 1981, imerso na Guerra Fria, isso seria desejável para se evitar, ao menos, um conflito nuclear que levaria à extinção da humanidade. Mas o tempo todo ele subverte essa compreensão. O que importa não é tanto o planeta Terra, que sequer vemos no filme. Não há espaços para abstrações, mas sim para o ser humano real. É verdade que Snake não se importa muito com os outros, mas ele também não vê como sendo o seu papel sendo este. Este papel é o do presidente da nação - e, na hora que importa, o presidente pouco interage, e mesmo se importa, com aqueles que o salvaram. Não só Brain e Cabbie, mas também toda a sua comitiva que estava no Força Aérea 1. São esses seres humanos, de carne e osso, que importam - essa, pelo menos, parece ser a filosofia de Snake (e de Carpenter, por extensão). É um tipo de razão prática e pragmática tipicamente norte-americana, e uma que é perene na cultura pop do país: desde caubóis a tiras durões, passando por super-heróis e outras variantes do arquétipo, o tipo durão, individualista e pouco dado a teorizações complexas se encontram perfeitamente encarnado em Snake Plissken.