No princípio era o lugar de fala, e o lugar de fala estava com a virtude, e a virtude era o lugar de fala. E com o lugar de fala, vieram os ungidos. Os que apontam. Os que se calam em reverência...
Bom, vamos parar de brincar de João. A coisa é quase séria.
Djamila Ribeiro publicou um texto para criticar o PL da prostituição. Ela viu na proposta de Kim Kataguiri um ataque à mulher, ao corpo feminino e, claro, aos direitos fundamentais. Djamila Ribeiro é imaginativa. Sempre navega bem nas intranquilas águas da abstração delirante. Djamila Ribeiro se alimenta desses delírios bem compostos, quase proféticos. Para ela, o projeto não é uma medida de ordem pública. É um ritual de opressão: a "privatização dos corpos femininos". Tudo soa litúrgico.
Porém, não há nada de conspiratório — só a velha sinalização de virtude. O Projeto de Lei 778/2025, de fato, altera a Lei das Contravenções Penais para prever punição à prostituição em via pública. Sua justificativa é clara: "o mero exercício da prostituição em vias públicas interfere diretamente no direito de locomoção dos demais indivíduos". Nada sobre proibição da prostituição em si. Nenhuma cruzada moralista. O texto ainda reconhece que "a prostituição é uma profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho". Ou seja, o alvo não são os corpos, mas o uso do espaço comum — como seria também se se tratasse de instalar um lava-rápido ou uma barraca de pastel no meio da calçada. O espaço é público, não é uma vitrine de ofício.
O projeto é imperfeito, como todo projeto. Entretanto, tenta responder a um problema real: a ocupação desordenada de vias públicas. A gente não precisa concordar com isso. Só precisa criticar objetivamente o que visa regular. O próprio texto afirma que "o mero exercício da prostituição em vias públicas interfere diretamente no direito de locomoção dos demais indivíduos". E prossegue: "Na prática, essa ocupação indevida representa uma verdadeira privatização do espaço público por pessoas que não possuem alvará ou qualquer outra autorização legal para tal fim, simplesmente se apossando das vias públicas, impactando milhares de famílias e comerciantes que arcam com altos custos de IPTU e demais tributos para residirem ou trabalharem com tranquilidade".
Em vez de lidar diretamente com esse problema, Djamila Ribeiro, como tantos moralistas do ressentimento, dramatiza a miséria para ornamentar o argumento. Como um disse, é litúrgico. A senhora de 78 anos, explorada por cafetões, vira personagem de uma trama bem elaborada. Não há interesse em sair disso, apenas em repeti-lo, repeti-lo, repeti-lo — como se isso fabricasse a verdade, como se o ritmo do lamento purificasse a realidade. A dor, aqui, não ilumina nada: só serve à retórica. Funciona como relíquia: exposta, venerada, mas jamais confrontada com o que de fato as coisas são.
Nada novo. Nessas horas, sempre lembro de Santo Agostinho: os homens amam o brilho do próprio nome mais do que o bem comum. E fazem da política um altar de virtudes públicas — piedosas, inflamadas, inúteis. Noutros termos, o amor-próprio.
Djamila é incapaz de oferecer soluções. Só fantasmas. Milionários, engravatados, conspirações. Tudo muito útil para mobilizar afetos. Sua resposta à desordem é quase uma catarse. Contra o conservador que propõe limites, levanta a suspeita moral. Contra a tentativa de ordenar o que é público, a ladainha da repressão, do sentimentalismo. É impressionante que não há uma única linha crítica objetiva ao projeto.
Sem querer sinalizar as minhas próprias virtudes, o conservadorismo cético parte de outro princípio: não se salva o mundo. É preciso impedir que ele apodreça depressa demais com as boas intenções. Sinceramente, sempre fui cético ao projeto de Kim Kataguiri. Mas também não tinha gastado nem um minuto para ler a proposta. Reconheço seu esforço de contenção. Só não tenho tanta clareza se compartilho da esperança de sua eficácia. O fato é que oferece um limite, é verdade — e o limite público é a primeira forma da justiça. Aqui é preciso ser pragmático. Só espero que isso não seja apenas mais um gesto dentro do velho teatro das boas intenções.
Por outro lado, Djamila Ribeiro encarna o espírito de época: indignada e moralmente vaidosa. Denuncia muito — sempre entoando hinos de louvor do altar da elite progressista — nada como transformar angústia em pauta e ressentimento em identidade. Djamila se tornou menos pensadora que sacerdotisa. Encontrou um lugar de fala bem conveniente. Como aquele "primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar nisso".
Enfim, o gesto da Djamila é sempre performático: marcar um terreno simbólico e transformá-lo em dogma. E quem não aceita será denunciado como cúmplice da opressão.
Excelente, caro Xará! 👍 Com certeza, a Folha de São Paulo contrata anomalias como a tal Djamila (…), para mostrar como é eclética e aberta aos contrários, só que o elenco só bebe no progressismo idiota e inútil como preservativo furado. O mesmo que indulge a quadrilha de Lula, que se mantém no poder há 22 anos, em grande parte graças ao elenco da Folha.
Sem comentários! Perfeito.