#SóAArteSalva(3)
Catalisadora do modernismo, Anita Malfatti tornou-se símbolo de coragem estética, ousadia e reinvenção.
Comprei incontinenti uma porção de tintas, e a festa começou.
— Anita Malfatti
Anita Malfatti (1889–1964) aprendeu cedo o que significa superar adversidades. Perdeu o pai ainda na infância, o que levou sua mãe a assumir a carreira de professora para sustentar a família. Aos treze anos, tomada pela melancolia da orfandade, chegou a deitar-se nos trilhos da ferrovia que passa pela Barra Funda, Desiste no último instante. Em meio às sombras que tentavam afogá-la, procurava sempre pequenas brechas de luz. Para ela, os objetos só se revelam quando abandonam a sombra; tudo, acreditava Anita, nasce da luz que os acusa e participa de todas as cores.
Nascida com uma malformação no braço e na mão direita, desenvolveu sua técnica utilizando a mão esquerda — uma limitação que se transformou em força criativa. Na Europa, entrou em contato com o expressionismo e ampliou radicalmente sua liberdade estética. Ela mesma relatou o momento que chamou de ruptura em sua trajetória artística:
Um belo dia, fui com uma colega ver uma exposição de pintura moderna em Colônia. Eram quadros grandes. Havia emprego de quilos de tinta e de todas as cores. Um jogo formidável. Uma confusão, um arrebatamento, cada acidente de forma pintado com todas as cores.
Em seu retorno ao Brasil, realizou em São Paulo a célebre Mostra de 1917. Tudo transcorria bem até a publicação da crítica de Monteiro Lobato em O Estado de S. Paulo, sob o título Paranoia ou mistificação?. O ataque causou enorme furor e, paradoxalmente, tornou Anita ainda mais conhecida. Em sua diatribe, Lobato apresenta-se como um jovem com cabeça de velho — chegando a satirizar Oswald de Andrade — ao afirmar:
Arte moderna, eis o escudo, a suprema justificação. Na poesia também surgem, às vezes, furúnculos desta ordem, provenientes da cegueira nata de certos poetas elegantes, apesar de gordos, e a justificativa é sempre a mesma: arte moderna.
Menotti Del Picchia, em defesa de Anita, rebateu com dureza ao insinuar a frustração de Lobato com as artes visuais:
Lobato é um grande contista com fama de mau pintor.
Da repercussão dessa exposição e da coragem pioneira de Anita nasceu a união do lendário Grupo dos Cinco — Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Menotti Del Picchia e a própria Anita — núcleo fundamental que desembocaria na Semana de Arte Moderna de 1922. Ali se inaugurou uma nova estética nacional, rompendo com o academicismo e afirmando a autonomia criativa brasileira.
Catalisadora do modernismo, Anita Malfatti tornou-se símbolo de coragem estética, ousadia e reinvenção. Sua obra permanece como um marco luminoso da arte brasileira do século XX.
Assista ao vídeo abaixo para apreciar, ainda que por breves instantes, cinquenta de suas criações. A escassa divulgação de suas obras priva o grande público das cores intensas que irradiam vida, luz e esperança — mesmo em meio às adversidades.
Afinal a arte é festiva. Nos eleva, nos arrebata, nos encanta. A arte nos salva. A arte é transcendência.






