Por Rodrigo Duarte Garcia
No prefácio de O Retrato de Dorian Gray, em uma passagem bastante conhecida, Oscar Wilde escrevia que não existem livros morais ou imorais: “livros são bem escritos ou mal escritos. E isso é tudo”. Naturalmente, há muito a se contestar na ideia, mas a essência da coisa toda pode bem ser transportada para a discussão que invariavelmente se instala – feito uma entidade desagradável pairando no ar – a cada vez que alguém se dispõe a falar sobre o romance policial: histórias de detetive podem ser alta literatura? A defesa do gênero já foi feita por grandes eruditos (de Chesterton a Auden) e com diversos argumentos, mas a resposta de Wilde – devidamente adaptada – parece ser realmente a mais exata: não existem gêneros literários superiores ou inferiores. Há bons e maus livros em todos eles, e isso é tudo.
E se nos romances e contos policiais é naturalmente possível identificar bons e maus escritores, obras-primas e livros ridículos, há – entre todos – alguns poucos que definiram o estilo, mostrando a possibilidade estética imensa das histórias de detetive e suas vielas escuras. E o maior deles foi Raymond Chandler.
Chandler nasceu a 23 de julho de 1888, em Chicago. O pai bebia muito e sumiu de vista quando o menino tinha apenas seis anos, fazendo que a família se mudasse para a Inglaterra. O que acabou não sendo mau negócio. Chandler passava verões solitários na Irlanda, frequentava a Igreja Anglicana e ia à escola. Aos doze anos, estudava matemática, latim, francês, música, teologia e história inglesa no Dulwich College. Jogava rúgbi e críquete e, algum tempo depois, dedicou-se também a aprender alemão e espanhol. Com quinze anos, passava horas lendo Virgílio, Cícero, Ovídio, Tucídides, Platão, Aristófanes e o Evangelho de São Marcos. Tudo no original.
Viajou um pouco pela Europa e tornou-se súdito britânico, passando a morar em Londres. Adulto, virava-se como podia: trabalhou de funcionário público na marinha e depois jornalista, escrevendo poemas e artigos aborrecidos sobre assuntos de política europeia. Voltou aos Estados Unidos com vinte e três anos e fez de tudo um pouco: desde trabalho manual em um rancho de damascos até encordoar raquetes de tênis. Em 1917, alistou-se na 2ª Brigada de Infantaria do Exército Canadense e serviu em trincheiras da França, na primeira Guerra. A experiência seria marcante: “Nada permanece igual depois que você lidera um pelotão sob o fogo cerrado de metralhadoras”, diria alguns anos mais tarde.