Por João Falstaff
Escravizou-se à popularidade, era comida diária para os olhos, que enfarados de mel, já começavam a odiar o gosto da doçura...
Shakespeare. Henrique IV
Como nos desenhos animados, sonâmbulos avançam pelo ar, sem perceber que o chão já não está sob seus pés.
Comparar Trump e Hitler não fará com que Trump pareça Hitler, mas faz com que Hitler pareça só um... Trump.
Todo mundo que eu não gosto vira Hitler. Devíamos inventar uma versão própria, brasileiríssima, da Lei de Godwin: todo mundo que eu gosto vira Machado de Assis.
No documentário Entreatos, lançado em 2004, há um momento em que Ricardo Kotscho, antes da vitória de Lula, adverte: a imprensa estava exasperada com a insistência de Lula em retomar essa comparação.
Com sua avidez pela terra prometida, Lula procurava agradar os jornalistas. Após caírem as muralhas de Jericó ao som das trompas sagradas, quando o sindicalista já estava com a faixa no peito e a cadeira no traseiro, jornalistas, seduzidos pelo molusco, passaram a agradar Lula. Não faltaram excelentes analogias.
Imaginem um Jesus Cristo que tivesse o mesmo tipo de ambição de quem deseja governar o Brasil por toda a eternidade...
Imaginem Lula com erudição literária suficiente para manejar tantas referências em sua própria defesa...
Mesmo uma sustentação tão mequetrefe transcende suas habilidades. Mas isso nunca foi um problema, muitos jornalistas dedicaram e dedicam suas penas à árdua tarefa de tornar a estupidez de Lula uma simples ignorância, ou uma espécie de pureza quase redentora de sua alma, ou até uma admirável inteligência política.
O entulho criado por todo esse trabalho “jornalístico”, ajuda a naturalizar situações complexas:
Lula sempre se destacou pela defesa dos trabalhadores, dos pobres, da democracia e por votar com ditadores, genocidas e organizações terroristas quando tem a oportunidade.
Será que o colunista de O Globo acha que convém se atentar ao que Lula diz?
Claro que não. Lula não ameaça ninguém. Lula não ofende ninguém.
Deve ser porque ele faz tudo “de forma que não sobre argumento para ninguém ser contra”, como afirmou num passado sempre presente em sua mais épica entrevista à revista Playboy.
Jamais deveríamos menosprezar os populistas desvairados. Ancelmo Gois tem razão.
Era Chesterton quem dizia que o insano é aquele que não perdeu a razão, mas perdeu todo o resto da realidade?
Às escorregadelas, tropeços, gafes, deslizes e improvisos da nossa augusta lulocracia de Brasília, somaram-se essas inauspiciosas e infelizes coincidências de Basília. São meramente frutos do acaso, jabuticabas, ou melhor, jacas que se precipitam das árvores do destino sobre nossas veneráveis cabeças.
Mas se as coincidências são infelizes, elas não superam jamais a felicidade de ainda termos de lidar com a gloriosa arte lulística de fazer analogias
Impecável em suas palavras e condutas, Lula jamais desrespeita ninguém.
É assim que esperamos, felizes ou indignados, pela próxima tempestade de jacas, ou jakas, do destino.
Onde Lula é inteligente, Nikolas com k também é inteligente. Por que não?
Toda a magnitude de nossa responsabilidade e indignação recai somente no impacto numérico dos engajamentos gerados. O que se fala e o que se escreve para aparentar uma imagem diversa da realidade é o que importa; qualquer outra forma de ação está revestida de uma insignificância abismal.
Fato é que Lula não consegue ofender ninguém. A democracia, as falecidas esposas, as namoradas vivas, o povo brasileiro, a imprensa, a sociedade em geral. Ninguém parece capaz de se ofender com Lula.
Lula é praticamente um animal de estimação que arrasa com tudo dentro de casa e, mesmo assim, é agraciado com mimos e elogios: olha como é esperto e fofinho.
Neste preciso instante, meu gato me dirige um olhar julgador, de reprovação indignada. Sei que já falei além da conta. Não há mais novas formas para falar de Lula. Mas, pela boa convivência com meu gato, sou obrigado a me explicar melhor.
A índole incivilizada sempre foi a força primordial de Lula. É a indefectível anta de Diogo Mainardi, que desperta “nossas características mais regressivas”: o conformismo, o analfabetismo, o parasitismo, a venalidade, a poltronice e a desfaçatez.
Parece-me que a constante docilidade e submissão da sociedade às centenas de assertivas gáficas, deslizantes e tropeçativas de Lula é um forte e irrefutável indicativo de que ele é mesmo o Brasil em forma de gente. Acatamos isso. Acatamos a sua incompetência e a sua conduta corrupta. Acatamos a atual situção em que não se pode criticar Lula e seus prestimosos colaboradores sem ter o receio de levar uma pesada multa ou de ser preso.
Mas, seus pobremas se acabaram-se. Com o marqueteiro, o Brasil há de ser melhor.
Não importa a idade, Lula sempre recorreu aos sábios conselheiros. Ora, quem seria mais qualificado do que um astuto marqueteiro para moldar um rótulo moral e colar na testa de um líder tão emblemático de nossa era? Afinal, a publicidade sempre foi a essência vital do empreendimento do nosso grandioso estadista.
Aliás, vou tentar entrar em contato com a Secom, porque tive uma grande ideia para ajudar Lula, o que, como todos nós sabemos, é o mesmo que ajudar a democracia e o Brasil.
De novo, sou obrigado a me explicar melhor. Quero a minha cota de heroísmo nesse mundo.
Uma vez que Lula é o Machado, a foice e o martelo de nossos tempos, seria extraordinário que o marqueteiro se dedicasse a melhorar A Teoria do Medalhão, transformá-la em um projeto avançado de marketing político.
Eu tenho uma certeza inquestionável de que esse era o desejo de Machado de Assis, que até cita Maquiavel ao final do conto. Mas o pobre gênio ainda não conhecia todo o potencial de suas ideias. Não imaginava com que alegria o brasileiro daria continuidade aos medalhões como modo de vida amplamente disseminado.
Jamais houve teoria que tenha sido ancorada com tamanha precisão na realidade social incontestável do brasileiro. É uma teoria atemporal. E não é de pouca simbologia que tenha sido formulada para um personagem chamado... Janjão.
Sidônio, assim como um dia foi Duda Mendonça, será como o pai de Janjão, ensinando-o a difícil arte de pensar o pensado. Nunca é demais lapidar persistentemente o que já se encontra em estado de perfeição. A marcha inexorável do progresso e o advento inelutável da modernização são preceitos invioláveis da nossa existência.
Urge a implementação de um ajuste no paradigma do medalhão. Tivesse Machado de Assis conhecido o ilulastríssmo, não hesitaria em compor pessoalmente uma novíssima Teoria do Medalhão – ou do Medalhulão.
Na minha humilde opinião, é imperativo que à Teoria do Medalhão se agregue a mais importante entrevista do estadista.
Trata-se de um testemunho histórico e sociológico de incalculável valor. Arrisco dizer que nada pode superar os elementos dessa entrevista como explicativos do atual estado e Estado civilizacional brasiluleiro. E o fato de ser na revista Playboy só corrobora com a minha convicção.
Mao Tse-Tung, Hitler, Fidel e Khomeini, depois de citar o irrefutável Ghandi e o incontroverso Tiradentes, foram esses os nomes que brilharam na consciência moral daquele que viria a ser o político mais inteligente do país.
Naquele momento, Machado de Assis nem despontou na vasta cabeleira de Lula.
O depoimento do líder sindical, entremeado por reveladoras intervenções de sua esposa Marisa (a qual ele se refere carinhosamente como a viúva que ele ia papar), constitui uma fonte primária de inestimável relevância histórica.
Nenhum outro documento histórico conseguirá ser mais elucidativo.
Quer, por exemplo, entender como chegamos nesse ponto?
A resposta está lá, no indelével Lula de 1979. O Janjão seguindo a orientação paterna: “não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade”. Eu acrescentaria: haverá sempre quem desça aos seus mínimos limites para te defender e apoiar.
No liquidificador de pensamentos de Lula, cabe tudo. Além de misturar figuras como Hitler, Khomeini e Gandhi, bater tudo e fazer um shake de inspiração moral, Lula esclarece que ele não defende ideologias – se não defende, também não ataca, por mais sanguinária que seja.
“É claro que eu penso algumas coisas, mas não me interessa revelar”, afirmou o nosso líder para, logo depois, criticar os conservadores, a direita e até Pelé e Roberto Carlos.
A entrevista desnuda não só Lula – como prometeu o jornalista – mas todos os valores que atualmente fazem quebrar a cabeça de filósofos, sociólogos, cientistas políticos e jornalulistas. Está tudo ali, de forma didática. Se você olhar bem direitinho, como se fosse um estereograma, saltará a imagem tridimensional de Bolsonaro.
Não me permitirei exagerar nas citações, pois sou alvo da censura implacável de meus órgãos digestivos. Quem tiver liberdade de ingestão, busque a entrevista completa no Google (não compartilharei aqui para não disseminar links de outras súcias indigestas).
No conto O fazedor do Brasil, Antoninho, personagem de Nelson Rodrigues, dizia que a inauguração de Brasília seria o nascimento do verdadeiro Brasil (e os jornais cariocas só se preocupavam com o preço da laranjada). Antes de Brasília só existia o pré-Brasil.
No além, Machado de Assis e Nelson Rodrigues concordam: antes de Lula, Brasília não se conhecia.
Da Teoria do Medalhão à óbvia e ululante ascensão dos idiotas, a bola de neve da mediocridade aumenta e continuará a incorporar qualquer inteligência que passar diante dela.
Não é de admirar que a inteligência dos nossos tempos viva, como dizia Nelson Rodrigues, “a lamber as botas dos idiotas como uma cadelinha amestrada”.
Ser um medalhão era o futuro de Janjão. Na competição para mostrar quem é capaz do maior grau possível de mediocridade, o Janjão da Janja foi campeão por muitos anos.
Agora, está na hora de abrir espaço para as novas gerações que terão muito a ganhar com a junção da Teoria do Medalhão e a entrevista do metalúrgico à Playboy. Eis a minha contribuição para salvar o governo Lula e, portanto, a democracia e o Brasil.
Como nos desenhos animados, sonâmbulos só começam a cair quando acordam e tomam consciência de que já não têm mais um chão debaixo de seus pés.
Quem não acorda, acha que é menos idiota por sonhar que encontrou o fundo do poço num abismo.
João Falstaff é o autoproclamado e autocredenciado correspondente virtual do Neim para assuntos oníricos, letárgicos, soporíferos e hipnagógicos. Trocou o pós-doutorado em escavação de poço sem fundo pelo curso técnico à distância de planagem e voo livre.
João, adoro o que faz com as palavras! Parabéns e obrigada! 🙌
Sobre o Bananal, creio que não foi uma criação da, mas sim, é a própria Organização Tabajara! Criou Molusco e Bozo! Isso prova minha tese!
Vivemos na própria Organização Tabajara! Portanto, todos os nossos problemas serão resolvidos, eu agarantio!
Estava com saudades do João falstaff. Procuro ler todos os articulistas do Neim para meu ritual diário de autoflagelação. E o João falstaff é o mais impactante de todos.