Quantas mortes a gente conhece?
Quantas vezes você já morreu? Ou quantas vezes já acha que morreu? Belchior já anunciou em uma de suas músicas a sua experiência de morte:
“Tenho sangrado demais
Tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri
Mas esse ano eu não morro”
Agora a pergunta capciosa: quantas vezes você já se suicidou? Soa estranha, quase absurda. Mas pense: o que é um suicídio simbólico senão a escolha de pôr fim a algo dentro de nós?
Setembro Amarelo fala sobre prevenção do suicídio real, o da morte física. Mas quase não se fala das outras mortes.
As pequenas mortes que atravessam a vida: deixar a infância, encerrar uma amizade, pedir demissão, mudar de cidade...
Ou até quando aquele artista preferido deixa de ser interessante porque ele apoia o político que você odeia. Cada despedida é um pequeno funeral daquilo que fomos.
Pense num relacionamento que virou um zumbi: não existe mais amor, só hábito e medo da solidão. Ficar ali é sobreviver no automático. Terminar é um suicídio simbólico voluntário. Dói, traz melancolia, mas abre espaço para renascer.
A ciência mostra que, a cada vez que encerramos um ciclo, o cérebro também se reorganiza: conexões se desfazem, a dopamina se redistribui. É luto e expectativa acontecendo ao mesmo tempo.
E então, o que é pior? Ser morto pelas circunstâncias ou escolher morrer voluntariamente para poder nascer de novo?
Freud dizia que o luto é necessário para soltar o que se foi; Jung lembrava que só crescemos quando uma versão de nós mesmos morre para dar lugar a outra; Erikson mostrou que a vida avança em etapas que exigem abrir mão das anteriores; e Frankl, mesmo nos campos de concentração, descobriu que ainda era possível encontrar sentido em meio à dor.
O problema começa quando essa ponte se rompe: quando já não conseguimos diferenciar o suicídio simbólico da morte real.
Por isso talvez a questão não seja apenas “prevenir o suicídio”, mas entender que viver é uma sucessão de fins e suicídios simbólicos.
E que é nesse terreno instável, entre a perda, a melancolia e a reinvenção, que a existência acontece.
Viver é aceitar que, às vezes, sufocar por dentro é o único caminho para reaprender a respirar.
Agradecimento à psicóloga Larissa Fonseca que me ajudou nesse texto.
Gostei de ler esse texto! Muito sugestivo para pensar e repensar muitas coisas. E... permitir um novo começo!
Muito bom.