Por Vicente Renner
As poucas resenhas que existem sobre Marvels costumam explicar a minissérie como o marco inaugural de uma nova “Era” dos quadrinhos, batizada, provavelmente por fãs de quadrinhos que se dão mais importância do que deveriam, de Renascença.
Grant Morrison, que talvez seja o fã de quadrinhos que se dá mais importância do que deveria arquetípico, é um deles: no seu livro Supergods, Marvels é o primeiro gibi da lista de leituras recomendadas do período.
Morrison não é um qualquer para falar sobre o assunto. Na segunda metade dos anos 90, o auge da [suposta] Renascença dos quadrinhos, ele era a principal estrela da indústria americana [ainda que isso, em grande parte, seja por conta do auto-exílio de Alan Moore e Neil Gaiman]: desde então, o seu nome passou a estar associado à reapropriação ao mesmo tempo nostálgica e irônica de ideias da Era de Prata, uma das características daquela “Era”.
Se vista desde perto, no entanto, essa análise é superficial.
Em Supergods, Morrison descreve a Renascença dos quadrinhos como a o período em que os gibis americanos passaram a ser protagonizados por “super-heróis relaxados e confiantes, livres das neuroses da Idade das Trevas” [a “Era” imediatamente anterior, que vai de Miracleman de Moore ao auge da Image original].
Tem mais: a sua JLA, pensada como um quadrinho que exemplificaria as características do período, foi pensada para ser livre de “meta-truques pós-modernos intrusivos”, substituídos por “mitologia de ficção científica inalterada e inocente em formato de quadrinhos, devolvendo aos super-heróis o respeito e a dignidade que uma década de ‘realismo’ e duras críticas lhes tinham tirado”.
Ele segue: na Renascença, as hqs americanos oscilaram entre o “pastiche e a reapropriação consciente de objetos kitsch, a serviço de um propósito mortalmente irônico, muito próximo da estética de Jeff Koons” e os “dad comics”, gibis que tentaram “reverter a maré para voltar aos tempos de Julius Schwartz ou Roy Thomas”, em que “era comum uma saudade melosa pela ‘diversão’ e pela simplicidade moral da Era de Prata”.
Existem, é claro, uma série de críticas que se podem fazer à sua definição. Mesmo deixando de fora a parte de Supergods que fala do papel fundamental dos ciclos solares na oscilação pendular entre cinismo e inocência na história dos quadrinhos, e ainda que alguns dos gibis publicados naquela época de fato tenham aquelas características, já de início poderíamos nos perguntar se faz sentido definir uma Era com base em hqs que foram basicamente publicados ao longo de uns seis ou sete anos: Marvels foi originalmente publicada em 1994; o selo Marvel Max foi lançado em 2001. Mesmo no meio do caminho, a Marvel publicou Ruins, a minissérie anti-Marvels escrita por Warren Ellis.
Mas mesmo se você aceitar a categoria como válida, não há como utilizá-la para explicar Marvels.