#[trabalharcansa]: A Morte É Meu Ofício
O romance de Robert Merle conta como foi o fim de Rudolf Höss, o carrasco que inspirou o filme "A Zona de Interesse".
O texto abaixo é a continuação da parceria entre o Não É Imprensa e a Livraria [trabalhar cansa]. Assim como o nosso site, este novo empreendimento de Dionisius Amêndola e Alexandre Sartório tenta pôr a sua marca na “microcultura” que surge pouco a pouco no Brasil. Se aqui adoramos a imprensa livre, mas somos contra os jornais, a [trabalhar cansa] é a favor da literatura e da arte, mas se opõe a um negócio que transformou os livros em mera mercadoria. Em suma, trata-se de um trabalho de amor. E é por isso que apoiamos tal iniciativa. Boa leitura!
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*Por Dionisius Amêndola
Não preciso de desculpas. Eu obedeci.
Rudolf “Lang” Höss
O tribunal de Nuremberg é um dos eventos mais dramáticos da história. Foi neste momento que se revelou ao mundo as atrocidades cometidas pelo regime nazista de forma inequívoca. Os crimes do partido nacional-socialista alemão foram de dimensão avassaladora; ainda assim, como o conceito de genocídio ainda não existia juridicamente, portanto, a noção está ausente do veredicto apresentado pelo Tribunal militar Internacional. Portanto, a perseguição aos judeus ocupa apenas dezesseis das 190 páginas da sentença. Contrariamente ao que pensamos, nenhum dirigente nazista foi condenado devido ao genocídio dos judeus.
Dentre os acusados estava Rudolf Höss, comandante de Auschwitz e figura proeminente na gestão e desenvolvimento da Endlösung der Judenfrage – a solução final ao problema judeu.
Em 25 de maio de 1946, o SS-Obersturmbannführer foi entregue às autoridades polonesas e julgado pelo Supremo Tribunal Nacional e será condenado à morte por enforcamento. Em 16 de abril de 1947, a sentença foi executada na entrada do que outrora fora o crematório de Auschwitz.
A ascensão e queda de Rudolf Höss espelha a trajetória mesma das ideias nazistas durante os anos que cobrem o fim da Primeira Guerra Mundial e a derrocada do Terceiro Reich. Das trincheiras da Primeira Guerra, passando pelos Freikorps, encontrou seu lugar nas fileiras do partido Nazista em 1922, em 1923 será acusado e preso pela morte de Walther Kadow – este revés será decisivo em sua carreira futura dentro da SS – e solto em 1928. Em 1935 inicia seu trabalho nos campos de concentração nazistas, em Dachau, passa por Sachsenhausen e em 1940 encontra-se em Auschwitz. Será este homem medíocre, mas de canina obediência, conhecedor do sistema penitenciário por dentro, de exemplar capacidade organizacional e tecnicista, o responsável direto pela morte de milhões de judeus nas câmaras de gás e pela eficiente e macabra incineração dos corpos.
Tal vida será inspiração para teses, livros e filmes sobre a capacidade humana para a realização do mal. Romances como As Benevolentes, de Jonathan Littel e A Zona de Interesse, de Martin Amis, procuram entrar na mente daqueles homens e mulheres que acreditaram e viveram o ideal nacional-socialista, e o recente filme do diretor britânico Jonathan Glazer, intitulado também Zona de Interesse e baseado no romance de Amis, é um tour-de-force cinematográfico que nos faz testemunhas da rotina burguesa e assombrada da família do comandante de Auschwitz durante o período em que administrou o campo. São obras que calam fundo na nossa consciência, obras artísticas que ousam mergulhar na escuridão da alma humana e dar significado ao incomensurável horror nazista.