#[trabalharcansa]: O Apocalipse Sempre Foi Agora
René Girard é o profeta da decadência tecnológica ou do seu triunfo?
Por Blake Smith
[tradução de Alexandre Sartório]
“O apocalipse”, declarou René Girard, “já começou”. O filósofo mais influente no mundo hoje em dia estava no meio de uma missão messiânica no momento de sua morte, em 2015.
Desde então, a aclamação ao seu trabalho excedeu muito os limites da academia: gurus dos negócios, comentaristas políticos e personalidades do Twitter recorrem à sua teoria social – particularmente sua interpretação das origens “miméticas” do desejo – para explicar uma gama crescente de fenômenos. Mas, se suas ideias são cada vez mais populares, as raízes delas geralmente são ignoradas.
Girard queria que suas ideias servissem a um propósito religioso. Em um de seus últimos livros, publicado em inglês com o título de Battling to the End (2010) [em português: Rematar Clausewitz: Além da Guerra - Diálogos com Benoît Chantre, trad. Pedro Sette-Câmara, São Paulo, É Realizações, 2011], ele afirmou que seu trabalho tinha “sido escrito a partir de uma perspectiva cristã”, e, mais especificamente, uma perspectiva católica. Ele não era, no entanto, um conservador tentando apresentar uma defesa da moralidade cristã tradicional. Ao mesmo tempo em que sua teoria do desejo é inseparável de sua crença de que o cristianismo é a fé verdadeira, ela também está atrelada a uma perspectiva radical: a de que o fim dos tempos anunciado no Novo Testamento está próximo. Separada de seus contextos e propósitos cristãos, a teoria do desejo formulada por Girard é tentadoramente contraintuitiva e abrangente. Ela proporciona o prazer intelectual de inverter (talvez de um modo descomplicado demais) o que se diz ser uma sabedoria convencional, além de reduzir processos aparentemente distintos a um único mecanismo causal.
De acordo com Girard, nós normalmente pensamos, incorretamente, que os indivíduos perseguem objetivos pré-determinados comuns a todos os seres humanos – como sexo ou status. Estes desejos, pressupomos, são satisfeitos por aquilo que os seres humanos conseguem conquistar. Na verdade, nossos desejos surgem, argumenta Girard, não tanto a partir dessas motivações naturais, mas da nossa tendência universal para invejar e emular outras pessoas, a qual nos orienta a buscar qualquer coisa que nossos rivais (a saber, todas as outras pessoas) estejam buscando. Queremos o que queremos porque outras pessoas o querem.
O filósofo francês entendia a imitação não apenas como um processo social fundamental, mas também como uma fonte de violência que, se não for controlada, pode desmantelar a sociedade. Este é, de certo modo, um insight da antiguidade clássica. O poeta Hesíodo, na aurora da literatura grega, notou que a disputa pode nos levar a imitar e superar as realizações de nossos vizinhos, em ciclos de competição socialmente benéficos – ou pode nos levar à violência e à fúria invejosa. No século XVIII, os criadores do pensamento econômico laissez-faire defendiam que o que eles chamavam de “emulação” – o ato de copiar o comportamento de nossos rivais, com o objetivo de ultrapassar o sucesso deles – era a base do crescimento econômico, mas também uma fonte de conflito entre indivíduos e nações.