#[trabalharcansa]: Um vago sentido de esperança
Sobre a história de amor que envolve o "Diário Póstumo" de Eugenio Montale
Por Alexandre Sartório
O frescor do amor de uma jovem pode ser como a água viva encharcando de esperança e de vida um velho coração. O romance A Trégua (1960), do uruguaio Mario Benedetti, trata dessa possibilidade de um coração empoeirado e meio ressequido ser hidratado e voltar a bater com vigor. Na Itália desse mesmo século, o vencedor do Nobel em 1975, e que, com Ossos de sépia, de 1925, publicou uma das obras principais da poesia moderna italiana, que se realizou sobretudo com o ‘hermetismo’ (a versão italiana do modernismo, de tendência fortemente pós-simbolista), Eugenio Montale se apaixonou por uma jovem chamada Annalisa Cima, e essa possibilidade de uma nova vida na velhice se concretizou, na biografia do poeta e em seus versos, na coletânea Diário póstumo (Diario Postumo, Mondadori, 1996 – edição nacional, com trad. Ivo Barroso, Record, 2001). A arte é sempre um modo de o artista dizer a vida, por meio de símbolos que são as obras: neste caso, a vida do Montale tardio se fez verso de modo mais direto, tratando da sua relação com Annalisa, porém não sem um refinamento da forma, não sem um labor cuidadoso que faz uma obra de arte dar um salto de expressão puramente confessional a símbolo da experiência humana.