Descobrimos que há um espião entre as nossas trincheiras.
É um dos nossos chefes, o tal do MVC (não falamos o nome inteiro dele por aqui).
Ele escreveu um ensaio sobre o filme de Jonathan Glazer, “Zona de Interesse”, publicado hoje — justamente no caderno cultural daquele “epicentro da cultura diletante”.
É algo constrangedor, especialmente no trecho final:
Agora que chegamos ao ponto em que o número de viventes na Terra dobrou ao longo de apenas três décadas, escreve o W.G. Sebald, e tornará a triplicar na próxima geração, já não precisamos mais temer o antes superpoderoso povo dos mortos. Já não se pode mais falar de culto e veneração eterna aos antepassados.
Pelo contrário, os mortos precisam agora ser eliminados com a maior rapidez e precisão possíveis. Quem nunca pensou durante uma cerimônia fúnebre no crematório, continua o escritor, enquanto o caixão vai em um carrinho para a câmara de incineração, que a medida de nos despedirmos dos nossos mortos é marcada pela pressa e uma mal disfarçada sordidez?
Mesmo o espaço que reservamos aos mortos, prossegue o trecho em "Campo Santo", é cada vez menor, e com frequência, mal passados alguns anos, eles são dispensáveis. "Para onde se levam os restos mortais, onde são descartados?", arremata Sebald.
Eles são levados e descartados nos "raios-de-sol" declamados no poema de mesmo título, escrito por Joseph Wulf, ditos em absoluto silêncio durante a película de Jonathan Glazer, sob a mesma presença invisível pressentida por Henri Bergson no início do século 20 e que nos assombra agora, em que um novo Holocausto se aproxima para os judeus cuja memória é constantemente assassinada por nossos governantes e intelectuais.
Não percam tempo com essa porcaria. Melhor lerem um artigo do Fernando Haddad.
Martim Vasques da Cunha, é você? É.
Seria "traidor" quem aponta que "um novo Holocausto se aproxima para os judeus cuja memória é constantemente assassinada por nossos governantes e intelectuais"? Seria. Porque esse novo Holocausto não tragaria apenas judeus, mas toda a humanidade como o crime cometido pelos nazistas tragou. O assassinato pelos "governantes (de sempre) e 'intelequituais'" (daquele nível chão) de judeus não é crime apenas contra judeus, mas contra todo e qualquer ser humano. E não será cometido mesmo.
Em artigo, Luis Villaverde sublinhou como a premiação do Oscar constitui uma "narrativa" e não uma festa em que se premia produções por suas características artísticas. E é verdade. Destacou ainda como Hollywood, construída por judeus (povo impressionantemente forte), sempre se adaptou as vagas do mundo para seguir sobrevivendo. E comentou como a festa da premiação tem perdido audiência a cada ano (tão desorientada como a produção hollywoodiana tem sido há tempos refletindo o mundo em igual espiral descendente há muito). Hollywood não tem como fazer, mas deveria dar o Oscar de melhor filme a "Zona de Interesse". Seria um prêmio merecido não só pela indiscutível contribuição artística do longa, educação para a arte do público em geral, e também uma afirmação de coragem, força e determinação que faria bem no mundo covarde, sonso e sem pudor de hoje. Mas não vai dar. Mas se quiser sobreviver com a cabeça acima d'água e contribuir também para que o mundo possa respirar mais um pouco até a próxima onda que volta e meia tenta afoga-lo, deveria ao menos dar ao filme o Oscar de melhor filme estrangeiro. Já seria alguma coisa e seria merecido.
O filme é uma loucura. É papo adulto em todos os sentidos.
E infinitamente superior a um troço de constranger como, por exemplo, um Oppenheimer da vida, uma porcaria que não serve nem pra passar na Sessão da Tarde e distrair adolescente à toa.
E os três artigos de Luis Villaverde a respeito do filme já publicados neste site tentam estar à altura da obra e... estão conseguindo. Matadores. E não terminaram. Cada capítulo é mais eletrizante do que o outro.
Para finalizar. No Brasil, o filme ganhou o título de "Zona de Interesse" e não "A Zona de Interesse" como é o nome do livro que o inspirou (que não foi seguido à risca pelo cineasta, graças a Deus) e é também seu título no resto do mundo. Foi bola dentro. Resultou mais instigante.
Hollywood, favor roubar a bola dos "governantes, intelectuais" e da população em geral em torpor no mundo de hoje. Favor se afirmar, empurrar o mundo pra frente e premiar o filme com o Oscar.
Obrigado. De nada.
Vou tentar de novo daqui 10 minutos: quando vcs escrevem algo como "não falamos o nome dele inteiro por aqui" é como se apertassem um botão e imediatamente começa a tocar "não falamos do Bruno, não, não não! Não falamos do Bruunooo!". 10 minutos. Valendo (pra mim)!