“Senhor, peço-Te que afastes de mim a sombra da morte súbita”.
À noite, quando criança, rezávamos com minha mãe essa oração, após o Pai Nosso, a Ave Maria e o Santo Anjo.
A boa morte para um católico exige tempo para que possamos receber os sacramentos da Penitência, da Unção dos enfermos e do viático – nome que recebe a última Eucaristia e que vem do latim “viaticum”, a significar as provisões que se fazem para uma viagem.
Reconheço que o desejo por uma morte lenta está fora de moda. Cheguei mesmo a ver noticiado que uma certa personagem, tão velha quanto eu, resolveu matar-se, submetendo-se à eutanásia em um país que a permite.
A justificativa que deu à imprensa foi singela: estava cansado de viver; não estava sofrendo, não estava doente, estava, simplesmente, cansado de continuar vivo.
Nós, velhos, cansamo-nos mais frequentemente e, às vezes, chegamos mesmo a nos cansar de viver, mas aprendi a combater este abatimento da vontade com três remédios infalíveis: soneca após o almoço; charutos e conversas com meu sobrinho, Luís Felipe, e meus amigos, Anselmo Gusmão e Paulo Moreira Fernandes, e, mais recentemente, com os três passeios diários aos quais me obriga o cavalheiro Tristram, um beagle que alegra meus dias.
Em razão de uma gripe forte que me acometeu, fui obrigado a visitar o doutor Eusébio Rabaça, médico que acompanha os humores dos meus rins e do meu coração há mais de três décadas.
Aproveitei – na verdade ele me impôs a ideia fazendo parecer que fosse minha – para antecipar meus exames e, como quem procura acha, descobri que meu coração voltou ao tamanho normal, pelo que talvez se comprove a teoria de que o seu aumento tenha sido causado por uma inflamação decorrente da vacinação contra a Covid-19, e descobri também que minhas coronárias estavam algo obstruídas.
O doutor Eusébio Rabaça disfarçou sua preocupação, mas houve por bem me internar. Submeti-me a uma angioplastia com colocação de um stent coronariano que, presumo e espero, evitará que eu morra subitamente de infarto agudo do miocárdio.
Antes do procedimento, recebi a visita do jovem padre que há alguns anos me tem assistido e lembrei-me da velha oração que referi.
Apenas tornado ao quarto, fui recepcionado por meu sobrinho, por minha irmã, por meu cunhado e por amigos; Paulo gabou-se de ter já três stents e Anselmo de não ter nenhum.
A visita de alta médica foi acompanhada pelo doutor Eusébio Rabaça que funcionou mais como advogado que como médico. Respondeu – e mentiu – por mim às perguntas indiscretas do cardiologista, chegando mesmo a afirmar com convicção que eu não fumava e ainda praticava exercícios físicos com regularidade.
O cardiologista elogiou as condições gerais de minha saúde – sempre tendo em consideração que se trata de alguém que poderia ser avô de uma tartaruga – e o acompanhamento seguro e atencioso do doutor Rabaça.
Voltei para meu apartamento, para meus livros, para o Tristram e para os que amo, grato por ter me livrado de uma morte súbita.
Bernardo Telles, sozinho, salva o Brasil.
Depois dele, o dilúvio.
Não restará mais nada por aqui que lembre que por essas terras houve um dia civilização.
Viva à cumplicidade do Dr. Rabaça. Uma postura desta salva vidas! Longa vida a você, Bernardo. Precisamos de você e seus textos... eles são os nossos passeios com o Tristram.