#TrilhasParaUmFimDeMundo (10)

Long play edition sobre as contradições do mundo moderno

LADO A

Faixa 1

Como dar alta a um paciente no divã, história real:

— É tão bom me abrir assim. Se bobear, eu fico aqui pra sempre.

— Pois é, só não pode bobear. Só não pode bobear.

Faixa 2

Continuo em São Paulo, pegando trânsito e chuva, mas a verdade é que passei o mês fugindo para morar nesta casinha da Barra de São Vicente, onde Capistrano de Abreu e Benedito Calixto passavam longas horas conversando.

Faixa 3

Assisti à entrevista de Charles Cosac, editor da lendária Cosac & Naify (que, descubro agora, se pronuncia “Neeeeify”), e no fim achei triste essa sua perspectiva atual — desassombrada e estoica, bem verdade — de ser um obcecado por dissecar asilos europeus, escolhendo onde passará os últimos dias da vida sozinho.

Faixa 4

Será que a inteligência artificial me consegue um bom disco do Radiohead cantando asKindertotenlieder de Mahler?

Faixa 5

Listinha com cinco livros espirituais favoritos de la casa: A paz interior (Jaques Philippe — ninguém como el para acalmar umas tempestades da alma por aí); Diário (Santa Faustina); A imitação de Cristo (Tomás de Kempis); As Confissões (além de tudo, o dia a dia de Santo Agostinho na escola, com a turma do fundão e tudo); e A montanha dos sete patamares (Thomas Merton e: é muito pouco se contentar por apenas ter passado o dia sem pecar gravemente).

Faixa 6

Estou lendo The fortune of war, do Patrick O’Brian, sexto livro da série Aubrey-Maturin (em que se baseou o espetacular, muito espetacular, Mestre do Mares, de Peter Weir) e esse romance específico tem por pano de fundo a guerra que Estados Unidos e Inglaterra travaram em 1812... no Canadá. Nas condições atuais, não deixa de ser mui interessante.

LADO B

Faixa 7

De um diário espiritual: queria só dez porcento de fé daquela mãe que, na lápide da filha, agradeceu a Deus pelo privilégio de ter passado vinte e sete anos com a menina mais doce do mundo.

Faixa 8

Está completamente errada a discussão sobre a utilidade de obrigar alunos a decorar datas, poemas e fatos. Sim, decorar é claramente bom, útil & moral, mas o principal argumento a favor disso deveria ser o prazer e a alegria que as pessoas sentem por saber algo de cor.

Faixa 9

O cortejo do Hamas com as crianças mortas é um degrau ainda mais baixo. Da banalidade do mal passamos ao orgulho satânico da hediondez, o despudor escancarado da brutalidade.

Faixa 10

Momento jabá: foi lançado agora em Portugal Vida Horizontal, coletânea organizada por João Pereira Coutinho com textos em elogio ao ócio e à vida contemplativa. Entre craques conhecidíssimos dos leitores do NEIM (Martim Vasques da Cunha, Érico Nogueira, André de Leones, Fábio Silvestre Cardoso), está lá escondido, largado numa chaise ao fim de tarde, o meu “Uma poética da inação”.

Faixa 11

Contradições do mundo moderno: as pessoas reclamam de política — tudo é política, não aguento mais política — mas no fim só querem mesmo ler e falar sobre política.

Faixa 12

“Mas se o homem sofre em silêncio, Deus me deu o dom de expressar a minha dor” — bonito isso que escreveu Mahler. Aliás, em março, a abertura da temporada da Osesp terá a 5ª dele. Estando você por aqui, não seria sehr intelligent deixar de ir.