#TrilhasParaUmFimDeMundo (7)

Uma long play edition a favor de Fernanda Torres na Academia Brasileira de Letras

LADO A

Faixa 1

Fiquei fora uns dias e me disseram que o Facebook vai anexar o Canadá. É isso? E feliz ano novo.

Faixa 2

Um livro de ensaios que coloque em dúvida todas a bibliografia citada com ataques aleatórios ad hominem: “era o que ensinava Lévi-Strauss, se é que se pode confiar em sagitarianos belgas”; “apesar de ter sido quase-anão, Thomas Hardy alcança simbolismos extraordinários em sua obra”.

Faixa 3

É curioso: em toda a História, ninguém jamais deu um golpe assumido. Temos sempre, sempre, impolutos e justíssimos contragolpes. Não existem golpistas, apenas contragolpistas.

Faixa 4

A esta altura, espero que já tenham tirado as medidas para o inevitável fardão da Fernanda Torres na Academia Brasileira de Letras. Bem, a verdade é que ela escreve melhor do que muitos por ali. Não que isso etc.

Faixa 5

E, portanto, cinco erros de português que mereceriam trabalhos forçados nas galés: (1) crase em a partir; (2) advinhar, (3) usar ao invés como sinônimo de em vez; (4) exitação; e (5) implica em.

Faixa 6

Sim, neste mundo algumas maldades podem ter consequências irreversíveis e sem conserto, mesmo que depois venhamos a nos arrepender delas.

LADO B

Faixa 7

De um diário espiritual: os defensores implacáveis da justiça a qualquer preço são os primeiros a implorar misericórdia.

Faixa 8

Todo mundo anda lendo Han Kang, mas o nobelizado A Vegetariana é um romance bem mais-ou-menos. E nem ficam vermelhos nas comparações com Kafka. Kafka tinha um imenso, assombroso, respeito pelo Mistério da realidade. Han Kang parece não ter nenhum. E aí tudo é a imanência da loucura e da natureza. Mas, vá lá, há descrições bonitas de bosques sob a chuva.

Faixa 9

Os autoritários querem proibir todo discurso de ódio, com exceção dos seus próprios discursos de ódio contra a liberdade de expressão.

Faixa 10

Dizem que um monge budista chega ao grau máximo de esvaziamento e iluminação quando deixa de se ofender se alguém não gosta de um médico por ele indicado.

Faixa 11

Para quem acha que a captura de heróis a determinados lados do espectro ideológico é coisa recente, Eça de Queirós estava em Paris quando Joana d’Arc foi canonizada e conta que os católicos depositavam em sua estátua coroas de flores dedicadas a “Santa Joana d’Arc”; à noite, os anticlericalistas jogavam as coroas no Sena e as substituíam por homenagens a “Joana d’Arc, a herética” — que por sua vez eram arrancadas pelos católicos, e assim sucessivamente.

Faixa 12

Clássicos que as nossas professoras censuravam: “Mas então era pior que estar numa sala; era abafar numa boceta!” (Eça de Queiroz, O Primo Basílio).