LADO A
Faixa 1
Milenaristas, uni-vos e vigiai: não estamos juntos neste fim de mundo? E não é sempre tudo um iminente, potencialíssimo, fim do mundo?
Faixa 2
Ilhas do Epstein e casarões do P. Diddy onde intelectuais são chantageados para escrever prefácios, orelhas e resenhas inteiras sobre livros horrorosos.
Faixa 3
O que talvez explique a existência — descubro agora — de Torto arado, o Musical. Gosto muito desses crossovers e até hoje fico desolado por não termos Bacurau, o gibi. Mas divago, divago, enquanto imagino horas lancinantes de batucada e: Belonííííísiaaa, não corte sua línguaaaa. Putz.
Faixa 4: No fim da vida, Paulo Francis dizia que só se importava com balé. E não estava errado, não estava. Entre todo o ruído do mundo e discussões políticas que drenam a alma, você ainda pode assistir à São Paulo Companhia de Dança coreografar a 8ª de Bruckner e a Bachiana Brasileira nº 8 com a orquestra do Theatro São Pedro. Muito, muito bonito. É verdade que depois fui ao Municipal para uma apresentação do Balé da Cidade que deu saudades do tempo em que as pessoas vaiavam estreias. É estranho: ficamos terrivelmente mal-educados em todo o resto, mas deixamos de vaiar estreias, essa forma civilizadíssima de brutalidade.
Faixa 5: E, portanto, uma listinha de cinco (hoje, contos): Um caso clínico — Tchekhov; Errand — Raymond Carver; The man who liked Dickens — Evelyn Waugh; An outpost of progress — Conrad; e A lenda de São Julião, o hospitaleiro — Flaubert.
Faixa 6: Suspeito que nos próximos anos buscarão suspender todas as redes sociais durante o período eleitoral. É o caminho lógico de querer controlar o que, no fim, é incontrolável. Já adianto: por mim, extremista perigosíssimo da liberdade de expressão incondicional, ficava mesmo tudo liberado: artista com faixa de político quando e onde quiser, corte impulsionado, paródia, robô de WhatsApp, tudo. Parêntese: foi a autorregulação das redes que permitiu desmentir — em minutos — o infame e infamante laudo médico recente das eleições de São Paulo. Os excessos e ilegalidades que sejam punidos posteriormente, porque o risco hoje é acabarmos n’O Alienista, sem ninguém do lado de fora.
LADO B
Faixa 7: Exibidores de virtude são uma espécie peculiar de bandidos: éticos, tão éticos, que ligam o pisca-alerta antes de bloquear a rua e descer com a metralhadora para o arrastão.
Faixa 8: De novo à beira da 3ª Guerra, fico pensando que adoraria ler um livro sobre a história das tréguas e códigos de honra ao longo dos séculos: práticas de buena-guerra, recolhimentos dos mortos, cultos e feriados religiosos invioláveis, mensageiros e suas imunidades, esse tipo de coisa. Aliás, belíssimo tema para aquela sua tese de doutorado que nunca saiu — e de nada, de nada.
Faixa 9: Aproveitando o assunto: no fim, é isso que guardei de A História da Guerra do Peloponeso: nenhum nome, nenhuma data, mas os cortejos de caixões vazios em honra aos mortos desconhecidos, as tréguas funerárias, o desprezo pelos arqueiros e sua falta de coragem para encarar uma luta corpo a corpo.
Faixa 10: A cruz não é opcional, sweetheart — Madre Angélica dizia, sorrindo, e é verdade. Mas fico pensando que o grande desafio talvez não seja o próprio sofrimento, e sim a possibilidade terrível de que essa Cruz se torne a âncora que pode te levar a perder a alma.
Faixa 11: Da série reacionarismos que eu respeito: desde Top Hat (1935) — o filme perfeito, perfeito — tudo parece ladeira abaixo e ranger de dentes. Perto de Fred Astaire, Gene Kelly tem o charme de uma disputa final do Nathan’s Eating Contest.
Faixa 12: Clássicos que as nossas professoras censuravam: “Se comer dez minas é muito e comer duas é pouco para alguém, não por isso o mestre de ginástica mandará comer seis minas” (Aristóteles, Ética a Nicômaco II 6, 1106a28-b7).
"Perto de Fred Astaire, Gene Kelly tem o charme de uma disputa final do Nathan’s Eating Contest." Calúnia!!! A diferença básica entre os filmes de Fred Astaire e de Gene Kelle é que nos filmes do Fred Astaire o único atrativo são as seqüências de dança. "Cantando na Chuva" é o filme perfeito.
Opa, capa do Joy Division, clássico!!!!!!!!!