Para o desespero do estagiário, Diogo Mainardi anuncia toda semana que o NEIM vai falir. Mainardi também profetizou a prisão de Bolsonaro e a morte política de Lula. Apesar de acreditar que as previsões do outrora Oráculo de Ipanema são mais wishful thinking do que análise dos fatos, torço para que ele esteja certo.
Afinal, a falência do NEIM é um preço baixo a se pagar diante de tanta benevolência celestial para com o Brasil (caso, claro, os dois outros prognósticos se realizem). Só que se o NEIM falir, não quebrará sozinho. Toda a indústria de cultura de massa - imprensa, estúdios de cinema, editoras e gravadoras - irá para o ralo. E os dois principais culpados por isso são as Big Techs e a dopamina.
Durante boa parte da história da humanidade, a cultura foi dividida entre arte e entretenimento. Era assim na Grécia Antiga, quando Aristóteles considerava a comédia um gênero menor que a tragédia. É assim hoje em dia, quando é possível, por exemplo, escolher entre um livro de Stephen King e um escrito por Don DeLillo ou entre um filme da Marvel e um de David Lynch. Só que essa escolha está com os dias contados.
Isso porque a indústria cultural já não está mais dividida entre arte e entretenimento, mas entre arte, entretenimento e distração. E se o entretenimento levou a melhor diante da arte nas escolhas durante o séc. XX, graças sobretudo a ascensão do homem-massa (para usar a expressão do filósofo Ortega y Gasset), agora quem está tomando o pódio cultural é a distração e os números abaixo deixam isso claro.
A Disney já anunciou que irá demitir 7 mil funcionários. Enquanto isso, a Warner Music mandou embora 4% de todos os seus funcionários ao redor do mundo. A Paramount, mesmo sendo proprietária dos direitos de transmissão do recordista em audiência Super Bowl, também divulgou o desligamento de 800 funcionários.
E se a TV a Cabo está afundando nos EUA, com 27% menos assinantes hoje do que em 2016, as TVs digitais não estão muito melhores: só esse ano, o YouTube TV perdeu 150 mil assinantes (sem falar no 1,2 milhão de pessoas que, também nesse ano, cancelaram outros serviços como o Comcast, Spectrum e o DISH).
Todos sabem da crise editorial, mas ainda assim é relevante citar: no Brasil o mercado de livros encolheu 40% desde 2006 ao mesmo tempo que a imprensa, no mundo todo, está à beira da bancarrota (mesmo o Washington Post, nas mãos de Jeff Bezos, não consegue ter lucro).
Em breve, o deslizar de dedos no smartphone será maior e mais lucrativo do que toda arte e entretenimento juntos. Estamos indo a passos largos em direção a um mundo pós-cultura, pois ninguém mais terá tempo nem foco para se dedicar a atividades que exigem concentração, como assistir a um filme de duas horas no cinema ou ler um livro de 400 páginas.
Nada que não puder ser comprimido num vídeo de até 30 segundos ou numa leitura de um minuto será relevante para o consumo de massa. A distração ganhou status e virou um negócio bilionário devido ao nosso sistema de recompensa cerebral baseado em dopamina.
Várias pesquisas, como a do neuro-economista Ming Hsu, já demonstraram que esse sistema de recompensa age diante de informações da mesma maneira que age diante de calorias. Ou seja, somos viciados em informações porque elas nos causam prazer da mesma maneira que o açúcar.
O estímulo positivo causado pelo deslizar de dedos nos smartphones libera dopamina que nos faz sentir bem, levando-nos, consequentemente, ao desejo por mais informação e pela próxima dose de dopamina num looping eterno e viciante de deslizar e rolar a tela. É o fim do paradigma cultural da massificação e o início de um novo: o da “zumbificação".
O prazer causado pelas informações frívolas das redes sociais em nossos cérebros é, provavelmente, um subproduto inútil de algo que já foi de extrema importância no passado. Como disse o professor de Oxford Felipe Fernández-Armesto, somos muito ruins em processar comida - diferente de inúmeros animais, por exemplo, só temos um estômago - e também somos muito limitados em nossa capacidade de conseguir alimentos: não somos ágeis, fortes nem capazes de escalar e nadar como outras espécies de predadores. Nossos genes, portanto, foram selecionados para termos cérebros engenhosos no reconhecimento de informações que nos revelassem fontes de alimento.
O cérebro consumia informação para que o estômago pudesse consumir comida. Obviamente, a savana africana, onde a humanidade evoluiu, não era tão rica em calorias como são as prateleiras dos supermercados nem rica em informação como é o Instagram com milhares de fotos e vídeos disponíveis a cada instante. Da mesma maneira que a caloria sem nutrientes de junk food nos proporciona prazer, a informação dispensável e emburrecedora do TikTok nos deleita com grandes doses de dopamina.
Vivemos, portanto, uma crise de obesidade intelectual. O fast food informacional das redes digitais não engorda, mas faz igualmente mal à nossa saúde, deixando-nos mais estúpidos. Esse tipo de junk food para o cérebro é composto de várias coisas: de clickbaits a fake news, passando por fofocas e curiosidades irrelevantes, sem falar nas famosas “lacradas”, que somente servem ao nosso viés de confirmação.
Além disso, a compulsão de deslizar os dedos pode contribuir para o surgimento de depressão e outros tipos de doenças mentais, uma vez que as doses constantes de dopamina, como qualquer droga, levam à tolerância, exigindo uma intensidade sempre maior nos estímulos subsequentes para que o usuário não desenvolva o estado conhecido como anedonia, a incapacidade de sentir prazer.
As Big Techs estão formando seus cartéis legais de dopamina com a "gameficação" de tudo. Uma postagem é como uma partida de jogo de caça-níquel, onde o criador de conteúdo pode passar despercebido pelos seus seguidores ou pode tirar a sorte grande e receber inúmeros likes e elogios, virando um hit momentâneo.
A lógica é viciar o criador de conteúdo das redes sociais tanto quanto o seu consumidor por maneiras diferentes, mas ambas usando o sistema de recompensa do cérebro. Enquanto o consumidor de conteúdo almeja mais informação inútil, o criador de conteúdo busca o aumento do seu status social com curtidas ou com o crescimento do número de seguidores.
Podemos estar nos aproximando de uma distopia hedonista, em que qualquer tipo de expressão - de uma narrativa literária a uma música - não tenha mais tempo para a construção de um clímax que leve à catarse final. As artes e o entretenimento irão se resumir a uma espécie de orgasmo precoce.
Se isso acontecer, haverá pouco investimento por parte dos empresários na prospecção de novos talentos e pouco interesse por parte das futuras gerações em trabalhar com cultura. Os jovens cineastas em potencial poderão acabar filmando dancinhas no TikTok e os aspirantes a romancistas terminar escrevendo fios no X.
Será o fim da indústria cultural tal como a conhecemos e uma forma de retorno ao passado. Talvez os mais ricos venham a financiar - para deleite pessoal ou para deixar seus nomes para a posteridade - grandes obras artísticas como aconteceu durante a Renascença.
Poderão os bilionários do Vale do Silício ser os novos Médici ou Bórgia? Os responsáveis pela destruição da indústria cultural de hoje acabarão sendo os mecenas das grandes obras de arte e de entretenimento do amanhã? Ninguém, claro, sabe o que irá acontecer e só nos resta especular. A única coisa certa é que o Gênio da distração foi liberado pelas redes sociais e não tem mais como voltar para dentro da lâmpada.
Mais uma vez o NEIM consegue ser extremamente assertivo. Confesso que foi uma surpresa agradável quando assinei este projeto (logo no início, rs) e me deparei com um conteúdo mais elaborado e muitas vezes profundo e extenso. O antigo site do nosso Doge de Veneza fez sucesso por ter matérias curtas e direta. Foi uma sacada inteligente na época, pois como diz a matéria, a preguiça mental está vencendo a humanidade. Sentia falta de um conteúdo mais amplo como o do Neim, mas que infelizmente, também deve afastar novos assinantes!
Somente os fortes sobreviverão, ou não...
Continuem nesse rumo!
É a realidade do terceiro milênio. O emburrecimento da sociedade.