“Cultura é o sistema de ideias vivas que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo vive.”
José Ortega y Gasset
Das vantagens de se ter uma boa biblioteca em casa, uma das mais interessantes é, em um dia moroso, de chuva agradável, fina, a refrescar o ar, esbarrarmos descuidada e displicentemente em um daqueles livros que em determinado momento da vida teve papel fundamental em nossa formação. E apesar de não recordamos em detalhes, sabemos que a “impressão” dos argumentos e ideias está lá; mas, como o rosto de um amigo ou de um parente distantes, suas nuances já nos escapam, ficam borrados os contornos, e o que temos muitas vezes é um fiapo reconstruído de memória. Pois nestes dias morosos, reencontrar um amigo ou um bom livro é um prazer nostálgico, cheio de temores e anseios.
Em ambos os casos, o tempo que passou pode reforçar ou esmaecer a força que ligava e dava coesão à amizade ou ao livro. Grandes livros e grandes amigos permanecem, apesar do tempo. Amizades fúteis e livros frívolos perdem o vigor, e o amarelo das páginas e as rugas nos rostos não carregam aquele ar duradouro de experiência vivida, mas sim o aspecto mofado do tempo.
Hoje, tive a experiência de reler um dos livros responsáveis pela minha primeira “conversão”. Falo de A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia, do historiador americano Christopher Lasch, um dos grandes “moralistas” das terras do Tio Sam, e que ao lado de Allan Bloom (com o seu A Cultura Inculta, outro livro que merece releitura), influenciou diretamente meu “radicalismo conservador” dos primeiros anos.
A Rebelião das Elites foi escrito em 1994, com a urgência da verdade pulsando em cada página, urgência que nasce da consciência e certeza da morte, pois Lasch escreve o livro corroído por um câncer que iria abater sua vida em pouco mais de um ano. O livro é seu testamento e legado, e se há fragilidades em alguns pontos, o que permanece é ainda relevante para nós, mesmo depois de vinte anos.