“A garotada chama Mosqueiro de Moscou. Chamei de Moscow porque Cacá Carvalho me disse que o livro revira tudo. “M” vira “W”.
Edyr Augusto, Moscow
Muito se fala e celebra uma certa literatura contemporânea brasileira que é sustentada não tanto pelo talento, mas muito por seus aspectos ideológicos ou sociológicos, de maior destaque será aquela que aponto para mazelas da moda: racismos, feminismos, colonialismo (ou “decolonialismo”, nos clubes de leituras mais vanguardistas), o drama da fluidez dos gêneros sexuais, e por quaisquer outras temáticas com cheiro de bolor (tais como o patriarcado ou o apocalipse ecológico).
Tais temáticas se tornam predominantes, com o singular agravante de hoje ser prática recorrente no mercado editorial buscar autores que correspondam aos temas, isto é, que tenham o tal “lugar de fala” para tratar de determinado assunto; portanto teremos mulheres a escrever sobre os dissabores da maternidade, da crise de feminilidade, das agruras do casamento; a temática racial só é válida apenas quando autores pretos são os porta-vozes (com claras exceções, afinal, há toda uma elite branca que se enxerga como aquela que melhor entende os sentimentos, a cultura e até mesmo a religiosidade afro-brasileira); o padrão é repetido e valorizado em feiras literárias, encontros de escritores e mesmo no “chão de loja” das livrarias, onde vendedores olham para o biotipo de um cliente e já cravam: “Olha só, um cliente preto, deve gostar do Itamar Vieira ou da Conceição Evaristo”, sequer imaginando que podem estar diante de um voraz leitor de Emmanuel Carrère.
Talvez o maior problema deste cenário esteja no fato de que tais editores, escritores, leitores, e todos que participam e o sustentam com as melhores e mais justas das boas intenções, não percebam que estão a amputar uma das maiores qualidades da literatura: a sua universalidade. Esta literatura é uma literatura de espelhos, não mais de janelas. Lemos para nos identificarmos (não à toa uma das palavras da moda seja justamente identitarismo); não lemos mais para ampliar nossa compreensão da condição humana; lemos para poder dizer que somos também vítimas deste ou daquela “condição estrutural” e nos juntamos aos nossos semelhantes para reivindicar nosso lugar no cada vez menor e irrelevante mundinho cultural.
É diante deste cenário que a obra de Edyr Augusto aparece como um verdadeiro milagre literário em meio às ruínas do que foi outrora nossa literatura.