Em seu monumental Autobiografia: O Mundo De Ontem, o escritor Stefan Zweig escreve o seguinte a respeito do mundo anterior à Primeira Guerra Mundial: “foi a época áurea da segurança. Tudo na nossa monarquia austríaca quase milenar parecia estar fundamentado na perenidade, e o próprio Estado parecia ser o avalista supremo dessa estabilidade”. O texto prossegue, informando ao leitor de hoje, ansioso e com resquícios de stress pós-traumático pós-pandemia, que os dias já foram assim.
Esse era o ideal comum da vida.
Ao mesmo tempo em que apresenta esse contexto, Zweig observa que, paradoxalmente, existia também uma perigosa arrogância. E o fato inescapável é que a Primeira Guerra Mundial representa o fim de um mundo tal como era imaginado – pelos escritores, pelos pensadores e pelos artistas. As coisas seriam diferentes daí em diante, mas é certo apontar que naquele exato momento, poucos perceberam que aquela redoma de vidro havia quebrado. No lugar de reconhecer de vez aquela rachadura, as mesmas pessoas que tentavam a todo custo restaurar aquela ordem pré-junho de 1914 não foram capazes de perceber a velha ordem natural havia sido alterado de modo permanente.
Todo esse preâmbulo para apresentar o curioso caso do escritor inglês Evelyn Waugh, que soube esboçar em sua obra uma sofisticada crítica de costumes à geração que viveu na primeira metade do século XX, período em que os ingleses ainda determinavam a ordem das coisas – e, infelizmente para eles, não souberam resolver o dilema que se apresentou à sua frente. Como uma espécie de cronista da alta sociedade, Waugh foi ao mesmo tempo personagem e testemunha ocular das histórias daqueles que tinham de manter seu status acima de qualquer coisa, numa época em que trabalhar para ganhar a vida ainda era visto com alguma desconfiança – nesse caso, o mais relevante era ostentar um estilo de vida de tal forma cima dos padrões que a expressão mais próxima de sintetizar esse estado de coisas talvez fosse o espanto desolado de F. S. Fitzgerald: “os muito ricos são muito diferentes de você e eu”. De sua parte, Evelyn Waugh pode ser entendido como um autor que se confundiu com as histórias que criou em sua ficção, exatamente porque ele mesmo foi alguém que esteve em busca do Santo Graal quando jovem, a ascensão social – no limite, Waugh mostra o quanto essa ansiedade por reputação e status pode render histórias divertidas e igualmente cruéis caso os protagonistas não estejam preparados para elas.