O caso da franquia Alien é deveras curioso, a começar pelo fato de que pensar em Alien como uma franquia, apesar de evidentemente correto, é estranho. O primeiro filme, afinal, é atípico: se por um lado é um filme B de horror com grandes ideias e conceitos, pelo outro é um trabalho de auteur arriscado. Feito numa época em que continuações e sequências eram tratadas com desprezo pelos grandes estúdios, Alien rendeu uma continuação inventiva, inteligente e altamente lucrativa. E cada filme, apesar de pertencer a uma mesma franquia, termina sendo um campo de provas para cineastas promissores testarem suas visões: Ridley Scott, James Cameron, David Fincher, Jean Pierre Jeunet e, agora, Fede Alvárez (isso sem contar outros cineastas que quase emplacaram seus próprios filmes, como David Twohy, Vincent Ward e Neill Blomkamp). Mas Alien é um ser híbrido curioso precisamente por conta disso: se por um lado cada filme é essencialmente uma tela em branco para cada cineasta, pelo outro é sem sombra de dúvida uma franquia. Alien, hoje, é um colosso multimídia, com romances, histórias em quadrinhos, brinquedos, jogos de videogame e até mesmo atrações em parques temáticos. As duas coisas, de certa forma, são inconciliáveis, e essas duas tensões - a arte e o comércio - geraram não só filmes excelentes mas também terríveis.
Vivemos, afinal, na Era das Franquias (que parece ter entrado em seu ocaso, diga-se). Estúdios desesperadamente ressuscitam franquias do passado para se usarem do atalho da nostalgia para fazerem easy money. Caça-Fantasmas, Beetlejuice, Um tira da pesada, Roadhouse, O corvo, Jumanji, Duro de Matar, Star Trek, Um príncipe em Nova York, são alguns exemplos recentes que veem à mente. Mas mesmo franquias como Stranger Things têm em seu cerne a própria ideia da nostalgia como matéria-prima. Pode ser uma obra original, mas uma que é inteiramente calcada num turbilhão de referências pop dos anos 80. Nostalgia é o nome do jogo, e ninguém soube fazer isso melhor do que Star Wars. Claro, quando eu digo fazer melhor não quero dizer especificamente sobre a qualidade dos filmes e séries - pelo contrário, todos são, com muita benevolência, tralhas esquecíveis -, mas sim no sentido de que a Lucasfilm, depois de ser adquirida pela Disney, soube cristalizar a fórmula da nostalgia, inventando o conceito de Legacy sequel, que por sua vez moldaria Hollywood após o sucesso multibilionário de Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força (Star Wars Episode VII: The Force Awakens, 2015, de J.J. Abrams). Essencialmente um remake do primeiro filme, de 1977, o longa de Abrams (ou seria de Kathleen Kennedy?) tinha uma difícil missão a cumprir: reabilitar Star Wars. Depois de três prequels constrangedoras dirigidas por George Lucas no começo dos anos 2000, Star Wars tinha azedado com os fãs mais antigos da franquia, assim como os que a conheceram pelas prequels; além disso, Abrams precisaria conquistar toda uma nova geração de fãs, que desta vez cresceram com filmes de super-herói da Marvel e da DC e todo um novo tipo de arranjo sócio-cultural. Refilmar o primeiro filme era uma aposta segura: deu certo no passado; Abrams trouxe o elenco dos filmes antigos de volta, e os colocou em contato com uma nova geração de heróis e vilões. Essa passagem do bastão cumpria dois sentidos: primeiro, habilitar os novos personagens aos fãs mais calejados, mas também significar uma mudança nos tempos. A “nova geração” é liderada por uma mulher (Daisy Ridley, no papel de Rey) e um homem negro (John Boyega, como Finn). A nova geração é multicultural, racial e sexual. Até aí, tudo bem (os problemas essenciais dos filmes residem em outros lugares). A legacy sequel, assim, opera explicitamente em nostalgia (a fórmula da refilmagem disfarçada) e usa essa própria nostalgia para trabalhar explicitamente a ideia de legado, fazendo uma ponte entre o passado e o futuro. Os dois bilhões de bilheteria, além de uma recepção calorosa por parte dos fãs e da crítica habilitou outros filmes feitos nestes exatos mesmos moldes, como Creed: Nascido para Lutar (Creed, 2015, de Ryan Coogler), legacy sequel da franquia Rocky; Independence Day: O Ressurgimento (Independence Day: Ressurgence, 2016, de Roland Emmerich); Jurassic World (idem, 2015, de Colin Trevorrow); O retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns, 2018, de Bob Marshall); Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (The Terminator: Dark Fate, 2019, de Tim Miller); Bill & Ted: Encare a Música (Bill and Ted: Face the Music, 2020, de Dean Parisot) e os já citados Caça-Fantasmas, Um tira da pesada etc. Apesar de existirem bons filmes dentro desse gênero (?), a verdade é que a maior parte deles são produto de uma Hollywood controlada por ventura capital e executivos sem criatividade e aterrorizados com a ideia de originalidade. A fórmula, no entanto, deu certo nas bilheteiras (ou estava dando, pelo menos). É por isso que é interessante pensarmos na franquia Alien nesse contexto.
Aos mais ansiosos, eu já adianto: gostei de Alien: Romulus, e acho que ele tem várias sequências memoráveis e promissoras, ainda que possua tropeços evitáveis. Ao mesmo tempo, é um filme ambivalente: ele só pode existir como fruto da Era das Franquias. Isso é bom e ruim, porque ajuda muita coisa no filme ao mesmo tempo em que atrapalha. Ele é fruto de todo esse contexto, e só podemos compreendê-lo, ao meu ver, se explorarmos um pouco mais detidamente essas questões.