Por Rui Pedro Gomes
Queixas
Sabes bem que não temos
E seremos serenos
“Lama nas Ruas”, Zeca Pagodinho
Portugal é um país de trapaça. Facto. Não acredite em mim, leitor: acredite nos especialistas. À Transparência Internacional, disseram que a corrupção em cargos públicos nunca esteve tão má, desde 2012, ano em que o Índice de Perceção da Corrupção surgiu. Pior que o país de Amália, só alguns 100, além do Brasil – o pior posicionado. É o nosso fado: a 47ª posição em 180.
Tradução: as coisas vão mal – para muitos, é claro. E, para parte desses, não há o que fazer. Para outros, haverá. Ainda que pese um quarto de tonelada de vontade política, uma outra metade de oportunidade, e um tanto de combate a interesses instalados.
Nova tradução: requer-se uma reforma estrutural. Um termo que o dicionário desconhece, mas que os portugueses sabem mais que a Amália. É, aliás, palavra de fácil compreensão: não há como resolver o problema. Significa sangue; suor; lágrimas; e um quinto de tonelada de votos.
O que não é pouco. O pobre que decide passar o Cabo das Tormentas – verdade: Bartolomeu Dias nunca viu as tormentas de uma reforma estrutural -, sabe o seu preço. Na melhor das hipóteses, mudar algo em profundidade custa um mandato de contestação pela máquina pública. Na mais morna delas, perder as próximas eleições. Na pior, ora bem: não sonhe nem em presidir o condomínio.
Porém, e como é óbvio ao leitor, o combate à corrupção é uma prioridade deste governo. Como já foi do último. E do primeiro da história democrática. Da ditadura também. Você percebeu.
O leitor e a Europa. A tia rica que nos envia cheques em horas de aperto, já entendeu o jogo: dá, tira e dá ao amigo. Ademais, o desenrascanço: substantivo; capacidade lusa de transformar derrota em empate e empate em vitória moral. Hmm - sei o que pensa, leitor.
E pensa como Eça de Queiroz: que o brasileiro é o português dilatado pelo calor. Bem, Eça. Bem, leitor. Dista-nos um oceano, milhões de quilómetros e bilhões de desconfiança. Mas há quem, ao invés, atribua culpas à latinidade.
Dando nome aos bois, o Norte da Europa. Do alto do crescimento económico e da prosperidade, olha para a mó de baixo com preconceito. Já sabe: sempre se referem ao nosso velho e mui nobre apreço pelo fazer nada. Pelo bem-bom. Todos humanos, logo tão errados quanto soberbos – a corrupção não tem endereço, tem nomes de pessoas.
Alguns dessa laia – do empreendedorismo e dos termos associados à seriedade -, chegam a referir-se à religião. Formados no catolicismo, a Europa do Sul, o Brasil e demais parentes latinos, estão fadados ao desleixo e à cultura do encobrimento. Assim, sempre compadecidos com a quebra das regras sob o véu da normalidade.
Regras? Rasguemo-las. Ou então façamo-las; para depois deturpá-las. A sonegação, para os nossos detratores, é Património Imaterial da Latinidade. No entanto, tudo isto é passível de mudança. Acredite, leitor – desdenhe do conformismo geográfico. Até porque há o que fazer.
Para mudar, é só isto: saber dos primórdios da História dos países; procurar os melhores livros sobre ela; ler a capa; a contracapa e o prefácio de cada um; ler as gordas, rasurá-las porque, hoje em dia, não se diz “gordas”; descobrir os buracos nas estradas, dar de caras com a ideia de atraso; fazer uma requisição burocrática nas Finanças, confirmar o atraso; ir atrás das causas do atraso; descobrir que a doutrina diverge; entender que os grandes debates da Nação assentam nas causas do atraso; perceber os lados; ver de que lado está; dizer impropérios sobre as pessoas sobre o outro lado; descobrir quem é o “outro lado”; decorar nomes; anotar emails, mandar emails; ver quem, do outro lado, está no governo; culpar cada um deles; culpar o governo; dizer que o governo é impróprio para cardíacos; gritar os problemas do sistema de saúde, um a um; mostrar como o seu lado faria melhor, tudo melhor; que a eficiência está consigo; que é o lado bom da força; descobrir os novos protagonistas da mudança, os seus; fazer campanha por eles; dizer bem deles, dizer mal dos outros; listar as reformas estruturais necessárias ao país; demonstrar soluções; desbravar caminho; ocupar ministérios; ocupar secretarias; agarrar a mudança, com advérbios como estruturalmente. É isto.
Espero sentado por ele – o isto -, com um descafeinado cheio como companhia. Vazio de energia.
Não acredite no que vem nos livros – tenha esperança.
Ao leitor: este é o último texto que publico no Não É Imprensa. Um sentido obrigado por todas as leituras, pela simpatia e pelos comentários. Para continuar a ler-me – a maior das dádivas –, subscreva o Acento Circunflexo. Sempre grato.
Mais um que se vai!? Que pena
Mas só falam da obra na rua do Danilo agora.