[Leia a primeira parte do ensaio]
Luz de Pequim
O cadáver encontrado nas primeiras páginas do romance de Francisco José Viegas, descobre-se pouco depois, é de Alfredo Aleixo, traficante e consumidor de drogas muito conhecido da polícia. Não há surpresa ao encontrá-lo, só no estado em que o deixaram, suspenso daquela barra de ferro enferrujado da velha Ponte de D. Luís. Entra em ação o inspector Jaime Ramos. O corpo é encontrado em Moncorvo, mas a investigação chegará ao Porto e, claro, a Pequim. Daí o título.
A escolha de Moncorvo não é casual. Segundo Viegas, tudo começa em Moncorvo, como se fosse um Aleph português, que reflete tudo que já aconteceu e que acontecerá. Aliás, Jorge Luís Borges, autor de O Aleph, dizia que Moncorvo era a terra de seus avós, portanto tudo sobre si originou-se lá. A história começa com um casal jovem, que escolheu esse local isolado para um encontro erótico. Desde o olhar que trocam no carro, a caminho da mata, até o modo com que a moça eleva os braços, e com isso, exibe o volume dos seios à gula do namorado, tudo sugere uma Eva, entre risinhos sugestivos, correndo pelo Paraíso, deixando-se perseguir alegremente por Adão, até que se deitam na relva e sabemos como isso deveria terminar. É aí que entra o livro policial. Tudo muda. Um leitor comentou que parecem dois livros diferentes, um seria o trecho do casal e outro todo o resto, mas não se trata disso, é uma sequência de cenas, onde um crime transforma o Paraíso em Inferno. Até parece o Brasil.
A partir da descoberta do cadáver, não há mais paz. Jaime Ramos é chamado a desvendar o crime, mas o detetive tem preocupações de outra natureza. Não negligencia o trabalho, ao contrário, entrevista longamente pessoas ligadas ao morto, dirige por horas de Porto ao local do crime, pensa, resolve. Mas não tem entusiasmo por nada disso. O mais interessante é o que ele faz entre cada uma destas ações: reflete sobre a cidade, sobre seu trabalho, e a conclusão não é alentadora. Nada é o que foi, e o que será é ainda pior.