por Gabriel Campos Medeiros
Agmen agens equitum et florentes aere catervas.
Virgílio, Eneida, XI, 433
[Guiando as tropas de cavaleiros
e as esquadras que com bronze florescem]
Então laureada, Adélia Prado é uma poeta realizada: exprimiu em linguagem eficaz um intenso convívio com Deus e o mundo, com o dado e o cultivado. Aqui, como nos boletins de guerra, a simplicidade da frase não corresponde à complexidade da façanha. Pois, quantos dos nossos poetas, a princípio tão cuidosos da expressão, tão criteriosos no assunto, não se deixaram asfixiar, no meio do caminho, ora pelas espumas dos dias, figuradas, ora pelas das suítes dos motéis, literais, passando a nos impetrar, uma vez entronizados, as maiores frivolidades, autorizadas graças aos êxitos pregressos, ao renome conquistado?
Manter não só producente, mas livre de pragas o conjunto de uma obra poética, se iguala a preservar um jardim doméstico, num tempo em que todos moramos em apartamentos apertados. Essa a preservação empreendida por Adélia Prado: é atento e ascendente o movimento geral da sua poesia, desde quando se desprende de Drummond e Guimarães Rosa para aos poucos impor sobre o deles o seu afã, ora mais nobre, ora mais bem traçado. Eles que, de algum modo e ao lado da Sagrada Escritura, foram mestres dela, e lhe povoaram os versos como um enxame de abelhas, melífluas sim, mas também zumbidoras, e abelhas que vão e voltam, cujo mel terá deliciado mais a ela do que a nós seus leitores, porque mel vertido durante o solitário ato da composição — esse prazer silencioso de enfim usar uma técnica aprendida, de enfim render uma homenagem a quem nos pôs na mão uma ferramenta, como neste Poema com absorvências no totalmente perplexas de Guimarães Rosa:
Ah, pois, no conforme miro e vejo,
o por dentro de mim,
segundo o consentir
dos desarrazoados meus pensares,
é o brabo cavalo em as ventas arfando,
[…]