I. Desprendimento
Antes de tudo, a língua desce ao nada:
Trava o espírito perante o vazio,
Como incessante corrente de rio
De chofre, por barragem anulada.
Nua até de ser, invoca na escada
O cisne do nada, e só acha brio
Para elevar belo castelo frio:
Da poesia pura a opaca morada.
Mas no nada da noite escura, uma alma
Enamorada pode enxergar que
A mansão alva no nada já estava,
Onde tudo reflete uma luz calma:
Despida, a alma deixa que a abarque
O amor, que a inflama, alumia e lava.