– por Rodrigo Duarte Garcia
Passei as últimas semanas lendo alguns lançamentos – parte deles nem tão recente –, vagando desanimado por entre páginas e paisagens cinzentas, descrições de fluidos corporais, abortos, discussões muito adultas sobre publicidade como forma de arte, adultérios, colagens de vidas sem sentido, tudo a reboque de mais pessimismo do que cem episódios de Mad Men juntos. Talvez eu esteja errado e todo o resto do mundo certo, mas é apenas a isso que nos limitamos? E, então, meio ao acaso, leio um artigo na Folha de São Paulo elogiar o Minha Luta, do Karl Ove Knausgård, porque ali “nada acontece, como na vida”. É isso o que deveria ser a literatura?
“Ah, mas Machado de Assis e Jane Austen escreveram alguns dos maiores romances da literatura ocidental sobre os fatos mais ordinários da vida”. Bem, o dia em que você escrever como eles, não ligarei a mínima se o seu livro for sobre quilombolas, mobilidade urbana, ou a reforma da previdência. Enquanto isso não acontece, talvez seja mais prudente ouvir o conselho do excelente Alberto Mussa: o escritor deve contar histórias como a homens em volta da fogueira. A imagem é exata e, afinal, não é mesmo isso que os grandes autores sempre fizeram? Da Odisseia às tragédias gregas, de Shakespeare a Cervantes, de Swift, Defoe e Stevenson a Melville, Tolstói, Maupassant e Conrad? Narrar os fatos extraordinários, contar histórias que interessem homens sentados ao redor do fogo, numa noite fria de inverno?
E é precisamente isso o que faz David Mitchell em Atlas de Nuvens, por fim lançado no Brasil pela Companhia das Letras, em edição irretocável e uma tradução primorosa de Paulo Henriques Britto. Mitchell é uma ilha de lucidez imaginativa no meio desse oceano ordinário – embora às vezes talentoso – que parece ter se tornado a literatura atual.