#unamuno: A Imitação de Nosso Senhor Dom Quixote (1)
Preparem-se para conhecer um dos maiores ensaístas de todos os tempos
Para substituir a primeira temporada do Não É Entrevista (calma, leitor, a seção voltará em breve, completamente remodelada), hoje começa uma nova parceria no Não É Imprensa (NEIM): a da Revista Unamuno, uma célula de jovens talentos literários, editada por Pedro de Almendra. Toda terça e quinta, teremos ensaios, contos e poemas que comprovarão a existência de uma minoria talentosa que se importa de verdade com a cultura do nosso país e que, por isso, só tem o futuro a oferecer. Visite também o Twitter e o Instagram da publicação.
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Por Simon Leys
Em debates, o termo “quixotesco” é quase sempre utilizado como um insulto – o que me intriga, já que não conseguiria imaginar maior elogio. A maneira como a maioria das pessoas refere-se a Dom Quixote nos faz questionar se elas, de fato, leram o livro. Na verdade, seria interessante descobrir se Dom Quixote ainda é tão lido quanto a popularidade universal do personagem sugere. Seria, no entanto, esquisito conduzir tal investigação – entre pessoas instruídas, em especial, encontramos uma opinião estranha e equivocada, segundo a qual um certo número de livros deve ser lido, e, reconhecer a própria falha com essa obrigação intelectual, seria um tanto vergonhoso. Pessoalmente, discordo desta atitude; confesso que só leio por prazer.
É claro que me refiro aqui à literatura criativa (ficção e poesia), não à literatura teórica (informação, documentos) que acadêmicos e profissionais devem dominar para realizar competentemente suas respectivas disciplinas. Por exemplo, você naturalmente esperaria, podemos dizer, que um médico tenha lido alguns tratados de anatomia e patologia, mas você não pode exigir que ele também seja letrado em todos os contos de Tchekhov (ainda que, como um sábio doutor um dia disse, entre dois doutores cujas qualificações são equivalentes, deve-se confiar naquele que lê Tchekhov).
Críticos literários cumprem um papel muito importante (como vou tentar demonstrar daqui a pouco), mas parece haver um problema com muito da crítica contemporânea, especialmente com um certo tipo de crítica literária acadêmica. Há uma sensação de que estes críticos não gostam, de fato, de literatura – eles não têm prazer algum ao ler um livro. Aliás, se porventura eles gostarem de um livro, não duvido que começassem a suspeitar que a obra é frívola. Nos olhos deles, algo que é divertido não pode ser importante ou sério.
Esta postura está influenciando, de modo inconsciente, a visão geral que temos sobre a literatura. Como resultado, tendemos a esquecer que até pouco tempo atrás as obras-primas literárias, em sua maior parte, foram projetadas para o mero entretenimento popular. De Rabelais, Shakespeare e Molière, na era clássica, até os gigantes literários do século XIX – Balzac, Dumas, Hugo, Dickens, Thackeray –, a preocupação principal dos grandes criadores literários não era ganhar a aprovação do público sofisticado (o que, afinal, é ainda uma façanha relativamente fácil), mas comover o homem das ruas, arrancar dele um sorriso ou uma lágrima – o que é uma tarefa muito mais difícil.