por Milton Gustavo
Eis que coube a mim, faixa branca com um mísero grau na ponteira; um creonte, capaz de mudar de academia por três vezes em apenas um ano; um passador incapaz de escapar de uma guarda aranha, a imerecida honra de contar sobre a maior e mais longa luta da história. Um duelo de honra, entre homens de diferentes gerações, raças, classes sociais, formações e crenças; um combate à morte, que os tornou imortais.
Os antecedentes
Não me deterei nos ínfimos e íntimos detalhes da desavença entre os dois homens, Hélio Gracie, de 42 anos, aposentado dos rings havia três, proprietário de uma badalada academia de Jiu-Jitsu em Copacabana e maior ídolo do esporte nacional, e Waldemar Santana, 22 anos, forte como um garrote de invernada, seu antigo funcionário, que ali aprendeu a lutar e ombreou, na condição de sparring, com os maiores lutadores daquela escola.
Hélio e Waldemar repetiram o cansado tema descrito em todas as artes e em tantos capítulos comoventes da história: o conflito entre mestre e aprendiz. Alguns dizem que a malquerença começou porque Waldemar esqueceu torneiras abertas e foi esculachado na manhã seguinte; outros culpam a luta contra Biriba, vencida por Waldemar, que havia sido proibido, por Hélio, de participar.
Os supostos motivos, hoje irrelevantes, são delicados tons de uma mesma e universal melodia: o mestre impondo a Lei e o discípulo sonhando-se liberto. De imitador a rival, de fã a inimigo, pode ter certeza de que em algum lugar do mundo, exatamente nesse momento, há um Jesse James humilhando um Robert Ford e um Robert Ford se preparando para atirar na cabeça de seu Jesse James. Em toda parte, onde quer que algo esteja sendo ensinado, há um discípulo querendo superar seu mestre, e um mestre querendo aplicar uma derradeira lição.