#unamuno: As Flores Do Mal de Gotham City
Coringa e Batman dançam juntos, conforme a música da perversidade
-por Lucas Petry Bender
“Pareceu-me prazeroso, e tanto mais agradável quanto mais difícil era a tarefa, extrair do Mal a beleza” (grifo do poeta), rascunhou Baudelaire num projeto de prefácio às Flores do Mal. “Alguns me disseram que estas poesias podiam fazer mal. Não fiquei satisfeito com isso. Outros, boas almas, que elas podiam fazer bem; e isso não me afligiu. O temor de uns e a esperança de outros espantaram-me igualmente e só serviram para me provar uma vez mais que este século desaprendeu todas as noções clássicas relativas à literatura.”
Na ironia mordaz do poeta contra as tentativas de justificar – para o bem ou para o mal – o prazer gratuito do senso estético, assim como na demonstração de que também na aparente feiura pode ocultar-se e revelar-se a beleza, o espírito moderno reconheceu a expressão de certas inclinações subterrâneas que, embora constituíssem desde sempre parte do coração humano, ainda não haviam recebido tão ampla e apropriada verve poética.
É nessa perspectiva que mais nos impressionam filmes como Coringa (“Joker”, 2019, dirigido por Todd Phillips) e Batman (“The Batman”, 2022, direção de Matt Reeves), o primeiro com seu lirismo sanguinário, o segundo com seu fascínio pelas trevas, ambos protagonizados por anjos decaídos e vingativos, como flores que desabrocham na escuridão e na sujeira, nutridos pelas enfermidades de Gotham City. É sobretudo por mérito da direção de arte, da cenografia e da trilha sonora que a obscura beleza do submundo de Gotham nos conquista,
Quando, como uma tampa, o céu pesado baixa
Sobre o espírito, presa de tédios, gemente,
E cingindo o horizonte em sua linha baixa,
Dá-nos um dia que é noite, sombriamente.
CORINGA
A iluminação intermitente no metrô, o estampido terrível e inesperado dos tiros, o refúgio no banheiro público, palco sórdido e solitário de uma dança suavemente eufórica, de quem pela primeira vez sente-se adaptado ao mundo como ele é – toda a sequência das primeiras vítimas de Coringa, da descoberta da sua vocação, da libertação do seu eu-lírico, é de uma beleza atrozmente fascinante, inesquecível sobretudo quando vivenciada na sala de cinema.