por Ana Júlia Galvan
Intro
Quando mais nova, eu não passava um dia sem ouvir música. Na verdade, ouvir música era uma de minhas principais atividades — pesquisar sobre os músicos de que gostava e buscar também pela obras que os influenciaram muito me alegrava, pois sentia que, ao fazê-lo, estava ampliando o meu repertório, explorando possibilidades, refinando meus gostos e entendendo o que me chamava a atenção de verdade. Sentindo brotar em mim um amor por certas bandas de rock, deitava-me no chão sobre o carpete marrom do meu quarto, a cabeça muito próxima do aparelho de som portátil ou nele apoiada, e me deleitava ouvindo os CDs recém-adquiridos. Havia algo naquela sonoridade suja e escrachada que me atraía — e não era uma paixão pelos moços rebeldes, mas pela própria ideia de rebeldia, de autenticidade, de expansão e de tomar para si a rédeas da própria vida. As baladas me faziam sonhar — coisa salutar, naquela idade como nas demais.
De lá para cá, tendo deixado muito da vida seca e rotineira se meter em meus gostos e interesses, fui largando o antigo hábito. Entretanto, quando a rotina me aperta demais e estou a ponto de mandar tudo para a cucuia, sinto despertar em mim a vontade de escutar música intencionalmente; isto é, não só deixando-a tocar de fundo, ouvindo-a enquanto presto atenção em outra coisa, mas devotando o meu tempo àquela canção ou àquele disco específico.
Dia destes, enquanto cumpria tarefas mecânicas do trabalho, coloquei para tocar o álbum Station to Station, do David Bowie, no impulso de aplacar o tédio da missão que cumpria. Aqui, devo fazer um parênteses para confessar que julgo, sim, o álbum pela capa, pois para mim a capa é a coroa do disco. Escolhi Station to Station porque já o tinha ouvido algumas poucas vezes tempos atrás, achei-o legal e tal — mas foi pela capa do disco que me apaixonei: o contraste da foto em escala de cinza com o fundo todo branco, límpido; o busto de Bowie recortado pela porta que mais parece um estranho portal; o rosto de olhar firme mas um tanto inexpressivo; as letras vermelhas em caixa alta, sem serifa, sem espaços, confundindo os nomes do artista e da obra. Fico imaginando a sessão de fotos, a seleção, a concepção, e penso em quanto trabalho é necessário para se chegar a um resultado como aquele: elementar, mas eficaz e perfeitamente conforme ao todo daquela criação artística.