– traduzido por Lucas Lima
Enquanto outros gigantes declinam, arrastados ao crepúsculo pela misteriosa ressaca dos tempos, Dostoiévski continua no topo. Talvez seja excessivo o entusiasmo recente por sua obra, e quanto a esta eu prefiro reservar meu julgamento para uma hora mais tranqüila, mas, seja como for, não há dúvida de que o russo foi salvo do naufrágio geral por que passou o romance do século passado e vem passando o do atual. O problema é que as razões mais comumente dadas para explicar esse triunfo, essa extraordinária capacidade de sobrevivência, me parecem erradas. Costuma-se atribuir o interesse despertado por seus romances aos assuntos tratados, ao drama repleto de mistério das tramas, ao caráter exageradamente patológico de seus personagens, ao exotismo das almas eslavas, de aparência caótica, tão diferentes das nossas, límpidas, lineares e inequívocas. Não nego que todas essas coisas contribuam para o prazer que nos dá a leitura de Dostoiévski, mas me parecem insuficientes para explicá-lo. Demais, tais componentes poderiam ser considerados fatores negativos, mais propensos a nos irritar do que nos atrair. Lembre-se dos que leram esses romances e, após a leitura, ainda que cingidos de complacência para com o autor e sua obra, ficaram com certa impressão aflitiva, desagradável e um tanto nebulosa.