#unamuno: Em louvor à frase longa e complicada (1)
Aprenda as regras para depois desobedecê-las - por Ed Simon e David Bentley Hart
-Textos selecionados, traduzidos e comentados por João Pinheiro Silva
I. Introdução – por João Pinheiro Silva
Pedir conselhos de escrita a escritores é como pedir dicas de nutrição a nutricionistas: descobrimos, num dia, que o ovo aumenta o colesterol, no outro, que o cura; ora que o sal rosa do Himalaia reduz a pressão arterial, ora que todo sal é igual; aqui, que a carne vermelha faz mal, ali, que o segredo é comer apenas carne vermelha.
Longe de mim, claro, reduzir a nobre arte literária às diatribes de uma reles ciência. Na verdade, enquanto tais incongruências são, para os nutricionistas, razão de alarme, no caso da literatura, semelhante ausência de consenso demonstra apenas a sua vitalidade. Há um certo filistinismo subjacente às tentativas de tornar a escrita uma ciência exata, com um método próprio e regras bem delineadas. Nada melhor do que ouvir de um Colm Tóibín algo como “termine tudo o que começar”, e, depois, de um John Steinbeck, “abandone a ideia de que sequer irá terminar”; ou a máxima democrática de V.S. Naipaul, “uma sentença não deve ter mais do que dez ou doze palavras”, ser contraposta pelo pernosticismo de Martin Amis, “tente não escrever frases que absolutamente qualquer um poderia escrever”. Todos emitiram tais máximas como regras, certo, mas duvido que algum deles – sensatos que são – as pensasse como leis científicas universais, aplicáveis em qualquer contexto, para qualquer fim desejado, com resultados previsivelmente galantes. É bem mais provável que, se forçados a justificar o seu dito, se resignassem à própria experiência, ao gosto pessoal, à intuição, prontamente reconhecendo a possibilidade de criar grandes obras violando o princípio que tão prontamente enunciaram.
Isto porque a real tarefa da escrita sempre foi, e sempre será, apenas uma: expressar o mais fielmente possível uma alma. Um fim que, vale notar, sempre justifica os meios. Se a expressão genuína de uma alma se dá através de frases curtas, sóbrias e despidas, ou através de frases longas, complexas e ornadas, pouco importa. Seria um desserviço esperar de um homem insipidamente vigoroso como Hemingway uma escrita enfeitada e barroca; tal como o seria esperar que Proust, nas suas introspeções labirínticas, se subordinasse ao laconismo.
A própria ideia de estilo denota essa nuance. O estilo emerge quando um autor se expressa com tamanha transparência que a linha entre o intencionado e o conseguido se dissolve por completo. O estilo é, portanto, o produto de uma expressão necessariamente individual e sui generis. Nesse sentido, a ideia de um manual de estilo torna-se ridícula. O máximo que um manual pode oferecer, além de normas gramaticais e ortográficas, é uma série de métodos que permitem educar a técnica ao ponto de facilitar a expressão de uma intenção; jamais ditar essa intenção.
Mas é exatamente isso o que vários manuais de estilo e oficinas de escrita arrogam para si mesmos: não apenas oferecer uma panóplia de técnicas que podem facilitar a expressão de um estilo, mas as leis universais do que constitui o bem escrever e às quais qualquer forma de expressão se deve subjugar. Mais do que um atrofio da escrita, tais constituem um atrofio do espírito humano, não só porque o limitam, mas porque o limitam da forma mais inimaginavelmente reles.
A “clareza”, a “concisão” e a “simplicidade”, tantas vezes louvadas nesses meios, quando tomadas não como convenções, mas como decretos divinos, impossibilitam não só a expressão genuína de um estilo próprio, mas também que qualquer outro estilo que não se coadune a esses moldes seja sequer considerado, quiçá compreendido. A escrita é reduzida às suas dimensões mais grosseiras, numa espécie de “copywrightização” do ofício, e todo o texto se torna uma forma de redação escolar, com os seus lugares-comuns e “gatilhos persuasivos” indissociáveis das produções de uma inteligência artificial anêmica.