#unamuno: Entre Herodes e o Profeta
Uma lição de T.S. Eliot, Makoto Fujimura e Flannery O´Connor
– por Hugo Langone
Parecerá estranho pensar no escritor, sobretudo no início do século XXI, recordando de início um daqueles trechos de que a tradição ocidental costuma se lembrar ao pensar no Batista:
De fato, Herodes tinha mandado prender João, amarrá-lo e colocá-lo na prisão, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. Pois João tinha dito a Herodes: “Não te é permitido tê-la como esposa.” Herodes queria matar João, mas tinha medo do povo, que o considerava como profeta. Por ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de todos, e agradou tanto a Herodes que ele prometeu, com juramento, dar a ela tudo o que pedisse. Instigada pela mãe, ela disse: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista.” O rei ficou triste, mas, por causa do juramento diante dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela. E mandou cortar a cabeça de João, no cárcere. Depois a cabeça foi trazida num prato, entregue à moça e esta a levou para a sua mãe. Os discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram (Mt 14, 3-11).
Pensamos no Batista porque – naturalmente – tem a fortaleza de um herói, a convicção do santo, o dom de si que o aproxima daquele mesmo que anuncia. Mas João surge, aí, quase como acessório: são Herodes, seus convivas, Herodíades, a dança de sua filha que dominam a cena, que lhe dão movimento. E também a tristeza do rei, que suscita em nós certa indignação, mas também um alerta: a melhor das convicções, num ambiente assim sensorial e pouco recolhido – conseguimos, com um simples esforço da imaginação, vislumbrar este Herodes extasiado, entre bebidas, rindo em excitação com seus companheiros, o semblante instigado pela dança da sobrinha – dá lugar a decisões turvadas, tomadas antes pela pele que pela razão.
A conclusão imediata será a de que é preciso prevenir-se de circunstâncias assim; no entanto já se sabe, depois de tanto tempo, que sobretudo aos que não têm vocação para religiosos isso é falso, que à gente comum o fermento e o sal, a luz, devem agir precisamente aí, de modo que se dê o que disse o autor do Caminho: “que saibais levar convosco, com naturalidade, o vosso próprio ambiente”. Essa prevenção não há de se confundir com fuga, com aversão ou nojo, pois nesse caso seria trair o próprio mandato imperativo do ressuscitado.