#unamuno: Grande Sertão: Mímeses (1)
As relações secretas entre Guimarães Rosa e René Girard
– por Christiano Galvão
“No que narrei, o senhor talvez até ache mais do que eu, a minha verdade…”[1] É assim que, nas páginas finais de seu longo relato, o jagunço Riobaldo, já idoso, encoraja um incógnito interlocutor – ou seja, quem o estiver lendo – a desvendar a natureza do estranho desejo que por muito tempo o manteve obcecado pelo amigo, e também jagunço, Reinaldo Diadorim. Para grande parte dos leitores trata-se, obviamente, de um sublimado desejo homossexual. Mesmo no fim do romance, quando sobrevém a revelação de que Diadorim era uma moça (que se travestia por força das circunstâncias), as confissões e atitudes expressas por Riobaldo, antes desse desfecho, parecem comprometê-lo de modo irreparável. Nem mesmo os beijos aflitos que ele desfere sobre a recém descoberta defunta atenuam o consenso: Riobaldo é um gay enrustido que, naquela hora final, tenta em vão salvar as aparências!… E não são poucos os leitores que procuram entendê-lo; o literato italiano Claudio Magri, por exemplo, declarou que Grande Sertão: Veredas é a “maior história de amor homossexual já escrita no mundo”, uma narrativa que nos faz “perceber que a gente não se apaixona por um sexo, e sim por uma pessoa”[2]. Ora, conquanto pareça profunda, perspicaz, essa apreciação é um paradoxo, pois se o amor é de natureza pessoal e não sexual, logo a qualificação de “maior história de amor homossexual” torna-se descabida.
Sem precipitações nem polêmicas, através de uma releitura atenta do que Riobaldo narra, talvez achemos mais do que essas obviedades que parecem reduzir Grande Sertão: Veredas a uma mera pegadinha ou “mentira romântica”; talvez achemos a “verdade romanesca” que, segundo o pensador francês René Girard, caracteriza a genialidade de escritores do porte de João Guimarães Rosa.
Comecemos então a reler o primeiro encontro dos protagonistas, que é também o momento da gênese de seus desejos.