— por Jessé de Almeida Primo
O bom ladrão
Morro sem cuidado,
ao lado do imenso
morro bem, suspenso
como o beijo ao lábioque falou-me, sábio
do que eu não sabia.
Morro de alegria,
morro bem ao ladodo que foi enfim
julgado, açoitado
e crucificado
por mim.
Lendo As horas de Katharina, de Bruno Tolentino, sou arrebatado pelo primeiro verso deste poema, “Morro sem cuidado”. O poema já começa com um dos versos mais ternos, mais doces da nossa língua, no qual o poeta usa uma expressão que é vulgarmente encontrada em textos de língua portuguesa mais antigos, ao menos entre os do século XX que não são tão contemporâneos. Não que seja uma expressão pomposa, típica de quem tem o gosto pela exibição vocabular, pelo contrário, embora não tão usual é de apreensão imediata. O que não é usual é alguém escrevê-lo, ser a primeira palavra que ocorre a quem queira expressar o sentimento de “despreocupação”, aquele sentimento de alívio, que diz respeito a um grande peso que tanto oprimia o espírito e do qual, quando menos se espera, se livra; é a mesma alegria-alívio que imagino o bom ladrão teve ao ouvir de Cristo: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.”