Pelham Grenville Wodehouse (1881-1975) foi certamente um dos maiores escritores cômicos da literatura inglesa. Criador da dupla Bertie Wooster e seu sagaz mordomo Jeeves, dentre inúmeros outros personagens. Escreveu pouca não-ficção. Entre 1914 e 1923, a revista americana Vanity Fair encomendou a ele alguns artigos e ensaios, que foram posteriormente reescritos para publicação no livro Louder and Funnier. No ensaio cômico abaixo, que faz parte dessa coletânea, Wodehouse trata da sua predileção por mordomos.
(Tradução de Ronaldo B. Giovannetti*)
Para saberem mais sobre Wodehouse, leiam também este ensaio de Adaubam Pires, publicado recentemente no NEIM:
***
Se tenho uma falha como escritor, do que duvido muito, devo dizer que foi uma tendência a me dedicar talvez demais ao assunto dos mordomos. Os críticos notaram esse meu complexo.
“Por que”, perguntam eles, “Wodehouse escreve tanto sobre mordomos? Deve haver alguma explicação. Este grande e bom homem não faria isso sem uma excelente razão”.
Bem, o fato é que os mordomos sempre me fascinaram. Quando criança, fui criado ao redor de mordomos: quando jovem, eu era uma praga proeminente em casas onde havia mordomos. Hoje emprego mordomos. Então pode-se dizer que nunca os abandonei: e ao longo dos anos esses homens despertaram minha imaginação. O mistério paira sobre eles como um nimbo. Como eles ficam assim? O que eles realmente pensam? Para onde eles vão nas suas noites de folga? E, se você for direto ao assunto, por que eles são chamados de mordomos? Se a palavra é uma corruptela de engarrafador,[2] certamente é um nome impróprio. Um mordomo não engarrafa. Ele desengarrafa.
Nestas poucas observações tratarei do representante mais conhecido da espécie, o mordomo inglês: mas espalhados pelo mundo existem muitos outros tipos. Em Hollywood, por exemplo, um mordomo pode ser quase qualquer coisa. O teste decisivo é se ele sabe cuidar da piscina. O primeiro que tivemos foi um japonês, e tão mágico era seu toque com a piscina que ele foi mantido por seis meses, apesar de seu hábito de se dirigir à minha esposa como “Querida velha amiga”. Esse era todo o inglês que ele sabia, e era uma pena dizer qualquer coisa para ferir os sentimentos de alguém que tão claramente se orgulhava de ser um pouco linguista.
Ele foi sucedido por um filipino, que nos deixou para se tornar um pugilista. Esta é a única falha do mordomo filipino. Você tira os olhos dele por um segundo, e ele sai com seu empresário marcando datas para lutas de quatro assaltos.
Havia um genuíno mordomo inglês em Hollywood. Ele era autônomo, trabalhando em grandes festas, e esse seu hábito levou à repentina mudança de um visitante nova-iorquino, cujos modos dissipados vinham causando grande preocupação à sua família. Indo a uma festa na noite de sua chegada, esse jovem apenas sentiu, ao ser conduzido para o interior da casa, que sua anfitriã teve a sorte de contratar um mordomo realmente de primeira classe. Ele gostou da maneira discreta e respeitosa do sujeito: e não pensou mais sobre o assunto até que ele foi a outra festa duas noites depois e foi novamente apresentado por alguém que parecia extraordinariamente o mesmo sujeito. Foi notado durante os eventos subsequentes que o jovem convidado, geralmente a vida e a alma de tais reuniões, estava estranhamente silencioso. Ele era visto de pé em um canto, lançando olhares pensativos para o homem com a bandeja de coquetéis.