#unamuno: Não Há Consolo Maior que o Desconsolo
Sobre "Seratonina", de Michel Houellebecq
*Por Lucas Petry Bender
“Não há consolo maior que o desconsolo, como não há esperança mais criadora que a dos desesperados. Os homens buscam a paz, diz-se. Mas será isso verdade? É como quando se diz que os homens buscam a liberdade. Não, os homens buscam a paz em tempo de guerra e a guerra em tempo de paz; buscam a liberdade quando sujeitos à tirania e buscam a tirania quando vivem a liberdade”.
Miguel de Unamuno, “A Agonia do Cristianismo”
Em A Imaginação Liberal, publicado em 1950, o crítico e professor universitário norte-americano Lionel Trilling defende o pensamento de Freud contra as suposições de que ele adotara uma visão simplista sobre a natureza humana, argumentando que o célebre psicanalista revelou o “nó inextricável de cultura e biologia” que define o homem, que carrega “uma espécie de inferno no seu íntimo, do qual surgem os duradouros impulsos que ameaçam sua civilização”.
Por mais questionável que seja atribuir a Freud uma intuição que as grandes tradições religiosas e artísticas já possuíam há séculos, o fato é que sua obra e seus desdobramentos influenciaram a cultura e o imaginário do século XX, trazendo à tona a imagem do homem definido por sua “faculdade de imaginar para si, no campo do prazer e da satisfação, mais do que possivelmente conseguirá ter. Tudo o que ganha, ele paga em uma proporção aumentada; o compromisso e a composição com a derrota constituem sua melhor maneira de lidar com o mundo”, conforme definido por Trilling, que conclui: “Suas [do homem] melhores qualidades são o resultado dessa luta, cujo resultado é trágico”.
É no rescaldo dessa luta que o francês Michel Houellebecq adentra o século XXI com sua literatura, sua imaginação moral (ou sua simples humildade, como observou Pedro Sette-Câmara), seus personagens compromissados com a derrota, embora talvez não tenhamos mais a convicção de que as melhores qualidades do homem continuam sendo frutos de sua tragédia existencial.
Em Serotonina (Ed. Alfaguara, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht), o próprio título já indica que o efeito dos antidepressivos assume um tamanho protagonismo na vida hodierna, que nos resta questionar o que sobrou da luta do homem consigo mesmo e com o mundo; questionar, a partir do que a ficção de Houellebecq revela sobre a nossa condição, o que resta de humano no nó inextricável de cultura e biologia que nos define.