–por Lucas Petry Bender
“Há esperança suficiente, esperança infinita – mas não para nós”. Sempre que me deparo com essa sentença atribuída a Kafka (em diálogo lembrado por Max Brod), penso em quem seriam os sujeitos; “nós” quem? A humanidade? Kafka e Brod? O autor e seus leitores? Os escritores? Os escritores que não publicam? Os judeus europeus? Os tchecos de língua alemã? Os funcionários de escritórios burocráticos? Os solteirões? Os frequentadores de bordéis?
Com aforismo não se discute; sente-se ou não sua verdade, seu engenho, sua visão. Penso em diversos momentos na implacável lucidez de Kafka ao longo da leitura da formidável novela do argentino Ernesto Sabato, O túnel (“El túnel”, ed. Carambaia, trad. Sérgio Molina, 2023, publicado originalmente em 1948), como penso no parentesco do narrador-protagonista com os homens do subsolo criados por Dostoiévski.
Desde a incontornável frase de abertura – “Bastará dizer que sou Juan Pablo Castel, o pintor que matou María Iribarne” – toma forma uma aventura amorosa, criminosa, confessional, patética, repleta de esperança, desilusão e melancolia. A narrativa de como conheceu, apaixonou-se e tornou-se amante de María tem uma origem cativante: ele a observa em silêncio enquanto ela olha uma tela sua numa exposição, notando extasiado que o alvo da atenção de María é um pequeno detalhe no último plano do quadro, mostrando uma janela aberta para uma paisagem marinha observada por uma mulher pensativa. Nesse jogo silencioso de várias camadas de observações, Castel sente que é María, finalmente, a primeira pessoa a lhe compreender a partir da sua obra, pois todo o reconhecimento de público e de crítica lhe parece vulgar, banal, falso, sempre passando ao largo de segredos como o representado pela pequena janela no canto e no fundo do quadro.